ARACAJU/SE, 1 de maio de 2025 , 0:51:36

O Processo Estrutural enquanto instrumento de efetivação de direitos fundamentais: entre necessidade e legitimidade democrática

 

A crescente complexidade dos litígios envolvendo direitos fundamentais tem exigido do Poder Judiciário novas formas de atuação. Nesse contexto, o chamado processo estrutural surge como uma resposta desafiadora: mais do que resolver um conflito individualizado, o processo estrutural busca redesenhar, mediante decisões progressivas e dialogadas, a realidade institucional ou administrativa que impede a fruição plena de direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

Em sua essência, trata-se de uma modalidade processual voltada à transformação de situações estruturais de violação de direitos, muitas vezes sistêmicas e persistentes, por meio de decisões abertas, participativas e monitoradas. A instalação recente, pelo Supremo Tribunal Federal, do Núcleo de Processos Estruturais, sinaliza o reconhecimento de que a tradicional lógica do litígio binário – autor versus réu, vencido versus vencedor – mostra-se insuficiente para lidar com questões coletivas e sociais que demandam reformas estruturais contínuas, como saúde pública, educação básica, moradia digna ou proteção ambiental.

Todavia, essa evolução, embora necessária, precisa ser analisada com atenção crítica, especialmente à luz das preocupações que vêm sendo reiteradamente manifestadas em relação ao fenômeno do ativismo judicial. O ativismo judicial, ao colocar nas mãos do Judiciário — e particularmente do Supremo Tribunal Federal — poderes tipicamente legislativos e executivos, acarreta sérios riscos à saúde da democracia representativa. Afinal, os juízes dos tribunais constitucionais não são eleitos diretamente pelo povo; logo, a substituição da arena parlamentar e executiva pela decisão judicial, ainda que bem-intencionada, enfraquece a legitimidade democrática do processo de formação das políticas públicas.

O processo estrutural, enquanto instrumento de intervenção judicial ampla e contínua, inevitavelmente dilata o alcance da atuação judicial sobre o espaço de decisão reservado, em princípio, ao Executivo e ao Legislativo. E é nesse ponto que se coloca a tensão: como compatibilizar a necessidade de proteção efetiva dos direitos fundamentais – muitos dos quais negados de forma crônica pela inércia ou pela omissão dos poderes políticos – com a manutenção da legitimidade democrática?

A resposta exige prudência e equilíbrio. O processo estrutural não deve ser concebido como carta branca para a judicialização extensiva das políticas públicas, tampouco como espaço para a formulação de planos de governo elaborados à margem da deliberação democrática. Ao contrário, seu uso legítimo pressupõe a existência de violação grave e sistemática de direitos fundamentais, a incapacidade persistente dos Poderes Legislativo e Executivo em sanar tais violações e a abertura do processo judicial para a participação efetiva dos diversos atores sociais envolvidos — inclusive as autoridades públicas responsáveis, que devem ser chamadas ao diálogo e à construção coletiva das soluções.

 

Nesse sentido, a metodologia processual dos processos estruturais difere substancialmente da tradicional sentença impositiva. Ela deve privilegiar planos de ação elaborados conjuntamente, etapas de cumprimento supervisionadas, ajustes contínuos mediante o diálogo entre as partes e, sobretudo, transparência e prestação de contas à sociedade civil. Trata-se de reforçar a democracia, e não de substituí-la. E, nesse sentido, é imperiosa a regulação legislativa dos instrumentos específicos do processo estrutural.

O próprio Supremo Tribunal Federal, ao instituir seu Núcleo de Processos Estruturais, afirma como premissas a necessidade de gestão dialógica dos litígios, a busca de soluções colaborativas e a preservação da autonomia dos demais Poderes. Resta saber se tais princípios, na prática, serão suficientemente respeitados, para que o processo estrutural se afirme não como mais uma expressão de ativismo exacerbado, mas sim como instrumento legítimo de efetivação de direitos e fortalecimento da democracia.

A história ensina que bons propósitos não justificam métodos democráticos frágeis. Se a utilização dos processos estruturais vier a ser convertida em mais uma instância de monopolização das decisões públicas pelo Poder Judiciário, repetiremos erros que já geraram legítimas críticas ao Supremo Tribunal Federal em sua atuação – como nos casos da edição açodada de súmulas vinculantes, da normatização excessiva de temas reservados primariamente à mediação legislativa e ao protagonismo político exagerado.

Em suma, o processo estrutural é, sim, um instrumento promissor para a concretização dos direitos fundamentais, e a sua utilização exige responsabilidade institucional e vigilância democrática permanente.