ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 5:53:52

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Os constantes desafios na defesa das prerrogativas da advocacia

Estabelece a Constituição Federal em seu art. 133 que o advogado é indispensável à administração da justiça, assegurando-lhe a inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão, tudo dentro dos limites da lei. Em outras palavras reafirma o texto constitucional que sem advogado não existe justiça e que o direito de defesa somente pode ser exercido de forma plena quando são respeitadas todas as prerrogativas da advocacia previstas em lei (Estatuto da Advocacia e da OAB – Lei nº 8.906/94).

As prerrogativas dos advogados não podem em hipótese alguma serem confundidas com privilégios, principalmente porque existem para proteger a sociedade, consistindo em garantais do cidadão frente ao estado, estabelecendo minimamente uma composição de forças entre o estado investigante (polícia judiciária), o estado acusador (Ministério Público) e o estado-juiz (Poder Judiciário) e o indivíduo suspeito, acusado ou réu.

No livre e desembaraçado exercício do direito de defesa conta o advogado apenas com seu conhecimento, ética, coragem e suas prerrogativas para eventualmente arrostar os abusos praticados pelas diversas autoridades, sendo oportuno lembrar a lição de Montesquieu em seu célebre “O Espírito das Leis” ao afirmar que “todo aquele que detêm uma pequena parcela de poder, se não for adequadamente fiscalizado, tende a dela abusar”.

Infelizmente todos os dias em uma delegacia de polícia, presídio, fórum, sala de audiência, tribunal do júri, sessão de tribunal, inclusive superior ou supremo, as prerrogativas da advocacia estão sendo vilipendiadas. O que deveria ser algo chocante e raro acaba sendo normalizado e banalizado. É exatamente na atuação exigindo estrita observância da legalidade na prática dos atos policiais, acusatórios e judiciais que o advogado precisa de suas prerrogativas respeitadas.

Cabe ao advogado estar atento ao estrito respeito à forma. Em matéria processual penal, como bem ensinou Francesco Carnelluti, direito é forma, forma é garantia e garantia é liberdade.

É dentro deste contexto que com perplexidade assistimos tentativas de intimidação dos advogados, inclusive partindo do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal.

No bojo da operação “Tempus Veritatis” deflagrada pela Polícia Federal com trâmite de Inquérito perante o STF, apurando a prática dos crimes contra as instituições democráticas (art. 359-L “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” e art. 359-M “Golpe de Estado”) que resultou na decretação de prisões preventivas, buscas e apreensão e imposição de medidas cautelares, ficou estabelecida a “proibição de conversa entre os advogados dos réus”.

Eis situação inovadora, estranha e autoritária, por pelo menos três motivos: primeiro, porque não é possível confundir o réu com o seu advogado, sendo essa uma comezinha lição da advocacia criminal; segundo, porque não cabe ao Poder Judiciário impor restrições a um profissional liberal sem que exista expressa previsão legal (art. 5º, II, CF “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; terceiro, porque se afigura impossível impingir medidas cautelares a quem não figura como investigado ou réu no processo – o advogado não é investigado e tampouco réu, devendo ser respeitado o princípio constitucional da intranscendência da pena, materializado no art. 5º, XLV, CF “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

A situação foi tão desconcertante e inovadora que praticamente toda a advocacia rapidamente se insurgiu contra esse arbítrio e após expressa manifestação do Conselho Federal da OAB fora exarado despacho pelo ministro relator informando que não impediu o contato entre os advogados, embora clara a redação desta parte da decisão.

Poucos dias após a inusitada proibição, ainda no âmbito do STF, no bojo do inquérito que apura suposta agressão a um ministro do STF e sua família no aeroporto de Roma, tem-se a divulgação de conversa pessoal do advogado com seu cliente, implicando referida interceptação, transcrição e publicidade em flagrante afronta ao art. 7º, III, da Lei nº 8.906/94 que assegura o direito do advogado de conversar pessoal e reservadamente (leia-se de forma sigilosa) com seu cliente, ainda que preso e considerado incomunicável.

Ao divulgar as conversas do advogado com seu cliente, contendo orientações técnicas de posturas e medidas que serão adotadas pela defesa, tem-se clara violação da inviolabilidade profissional, com inescondível viés intimidatório.

Monitorar a conversa de advogado com cliente é uma conduta comum em países tirânicos, governados por ditaduras, nunca sendo admissível em um estado democrático de direito. Transcrever diálogos no inquérito policial é uma covardia institucional da polícia judiciária. Divulgar a estratégia da defesa publicamente (repita-se que se cuida de conversa peremptoriamente sigilosa) é uma clara tentativa de intimidação, implicando em lamentável postura.

Novamente após insurgência da OAB foram desentranhadas referidas conversas dos autos, não servindo como meio de prova, em despacho assinado pelo ministro relator junto ao STF.

Entretanto, a pergunta a ser feita é a seguinte: até quando as prerrogativas da advocacia serão vilipendiadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal?

No enfrentamento de questão tão complexa e urgente, deve a sociedade brasileira ficar de atalaia e não compactuar com essas práticas, deve a OAB ser mais enérgica, inclusive exigindo que as autoridades (pouco importando o cargo que ocupem) que violam prerrogativas respondam pelo crime tipificado no art. 7º.-B da Lei nº. 8.906/94, pois quem dolosamente desrespeita prerrogativas da advocacia pratica abuso de autoridade. Afigura-se premente a criação junto às seccionais da OAB da Escola de Prerrogativas, com conteúdo mínimo obrigatório cobrado no exame da ordem e ensinado nas faculdades de direito, permitindo que os jovens advogados tenham pleno conhecimento de suas prerrogativas. Aprender para praticar. Praticar para respeitar.

Por fim, deve existir maior efetividade no cadastro dos violadores de prerrogativas da advocacia. A autoridade que desrespeita advogado não pode após sua aposentadoria ou exoneração do cargo que ocupava ter sua inscrição deferida na OAB. O violador de prerrogativas deve ser considerando indigno da advocacia e ter declarada sua inidoneidade para o exercício profissional.

Essas são as providências urgentes a serem adotadas. Existe um longo caminho pela frente. É preciso iniciar a caminhada, com respeito às instituições e coragem cívica para enfrentar o arbítrio, impondo uma vigilância constante da OAB e de todos os advogados. Não podemos nos acovardar temendo represálias. O silêncio ou omissão implicam em anuência com a opressão.

A defesa das prerrogativas consiste em uma luta de todos para que a advocacia venha efetivamente a ser respeitada em sua essência. Nesta travessia devemos seguir a lição de Marie Curie, polonesa naturalizada francesa que conduziu pesquisas pioneiras sobre radioatividade, sendo a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel. Disse a grande cientista: “Nada na vida deve ser temido, somente compreendido. Agora é hora de compreender mais para temer menos”.