ARACAJU/SE, 12 de outubro de 2025 , 15:41:50

Sinopse de uma trajetória

Vladimir Souza Carvalho

 A estreia foi na trompa, a segunda, o olho fixo na partitura à frente, esperando o momento certo de tocar. De repente, aquele barulhão todo me desnorteou. Me senti perdido no meio de uma selva de sons de tambor, caixa, pratos, instrumentos de pisto e palheta. A decisão mais infantil que podia tomar: parei. Arnaldo Silva, ao meu lado, na primeira trompa, não sei o motivo, já tinha parado. Ambos eramos estreantes. A tuba imperava sozinha. Ocorreu a emenda do soneto, pensando ser herói. Criei coragem e voltei a tocar. Só que entrei no compasso errado. Antônio Melo captou o som perdido e fez o papel da trompa com o sax tenor. Todos presenciando.

O segundo dobrado em diante, o ouvido acostumou-se a ser um som a mais dentro de tantos sons diferentes, não se apavorou e apagou do quadro negro o fracasso da estreia, que, como defunto mal enterrado,  ainda me persegue, atazanando minha empáfia.

Do trompete, nada de anormal. Às vezes, acompanhado. Arnaldo Silva foi companhia permanente. Jadiel aparecia de quando em quando. Não abria espaço para diálogo. Fontes, a esta altura, deixava o trompete pelo clarinete. Conversava com o mestre sobre o novo instrumento. Ficou só nisso. Acho que o trio – eu, Arnaldo e Fontes, – foi de curta duração.

A última participação não foi prevista nem festiva. Final do ano, a embocadura – que não suporta ser relegada a plano inferior -.me faltava. Dia de quinta-feira. Pela tarde, uma pelada. Alertei os dois trompetistas da necessidade de soprar um pouco para fins do ensaio à noite. Eramos quatro, contando com Jadiel. Um cobre a falha do outro, foi o que ouvi. Confiei e relaxei. À noite, no horário normal, estava lá. Os músicos, chegando. Menos os trompetistas. Fiquei com o peso inteiro. Eu representava quatro, embora fosse só um. Dobrado 220, como chamávamos. Na introdução e primeira parte, a embocadura colaborou. Veio a segunda parte. O trompete faz sozinho um canto. O contra canto entoa o seu. Não consegui entrar no ar. Os lábios inchados. Pela última vez, Antônio Melo me socorreu. Minha atenção se voltava para o vestibular, em janeiro. Passei. Depois, a luta pelo pão. Não consegui mais pensar na banda.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras