Grande parte dos brasileiros, que não faz da política prioridade de atenção, tende a ver os políticos como indistintos, salvo algumas exceções notáveis. Na visão popular, a maioria é agrupada como indiferenciável, “farinha do mesmo saco”.
É certo, porém, que existem assimetrias que permitem ao observador mais atilado perceber discrepâncias entre alguns dos partidos políticos atuais. Quem, adequadamente informado, dirá que um deputado do Novo e um do Psol se parecem?
Mas, também é pacífico que há uma massa de similitudes que permite, com alguma facilidade, que partidos que deram sustentação a um governo de direita migrem, sem pejo, para a defesa do opositor, de esquerda (ou centro-esquerda) sem maiores percalços jurídicos ou morais. É o que se vê no momento. Consistência programática nunca foi o forte das agremiações brasileiras.
Isso não é novo. “Nada se assemelha mais a um ‘saquarema’ do que um ‘luzia’ no poder.” A frase do político pernambucano Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque é um diagnóstico chistoso do quadro político do Segundo Reinado e enseja um paralelo com o que se testemunha hoje.
O Segundo Reinado no Brasil, comandado por Dom Pedro II, de 1840 a 1889, foi marcado pelo domínio de dois partidos principais: o Conservador e o Liberal. Eles surgiram de facções anteriores, vindas do Período Regencial, e refletiam as tensões e divisões dentro da elite brasileira da época.
Originado dos grupos ‘Restauradores’ ou ‘Caramurus’, o Partido Conservador era defensor da monarquia centralizada (menor autonomia provincial) e da ordem social estabelecida (escravidão, inclusive), contando com intenso apoio da elite agrária. Seus membros, conhecidos como “saquaremas” devido à concentração de muitos deles em Saquarema, no Rio de Janeiro, eram avessos a mudanças sociais e políticas, especialmente no que diz respeito à escravidão. Além da elite agrária, o partido também era composto por burocratas estatais, grandes comerciantes e fazendeiros voltados para a exportação.
O Partido Liberal, emergindo dos ‘Exaltados’ ou ‘Liberais Radicais’, defendia uma maior autonomia provincial, liberdades individuais expandidas e, de forma progressiva, o fim da escravidão. Eles se opunham ao Poder Moderador exercido pelo Imperador e ao Senado vitalício. Com uma base de apoio mais diversa, incluindo profissionais urbanos, comerciantes e agricultores focados no mercado interno, os liberais eram considerados mais progressistas. Eram conhecidos como “luzias”, um termo derivado da Revolta Liberal de 1842, em Santa Luzia, Minas Gerais, promovida por membros desta facção.
Ambos os partidos se alternaram no poder durante o Segundo Reinado, com a política controlada por Dom Pedro II. Na monarquia parlamentarista brasileira da época, era o parlamento que, na prática, estava subordinado ao monarca, e não o contrário. Era o “parlamentarismo às avessas”.
Durante o Segundo Reinado, a gestão do Império do Brasil era caracterizada por um sistema de alocação de poder, a “política das alternâncias”. Esse procedimento permitia que os partidos Conservador e Liberal se revezassem no governo. Em momentos de crise, D. Pedro II dissolvia o gabinete vigente e convidava o partido oposto para formar o novo Conselho de Ministros e conduzir novas eleições, frequentemente manipuladas para assegurar a maioria do partido recém-empossado. Esta dinâmica tendia a refletir mais os interesses pessoais e grupais do que ideologias partidárias definidas.
Mas havia o espaço
em que os interesses setoriais produziam desacordos em importantes temas políticos. A centralização do poder, a escravidão, reformas políticas e eleitorais, e o papel da Igreja Católica, estiveram no centro das disputas entre conservadores e liberais. O liberalismo, ao longo do tempo, assumiu várias formas no Brasil, e, enquanto os conservadores eram mais graníticos, o Partido Liberal abarcou uma ampla gama de opiniões, desde moderadas até mais radicais.
Até 1889, o Brasil teve 36 gabinetes ministeriais, sendo 21 formados pelo Partido Liberal e 15 pelo Conservador. Há, nesse interregno, um gabinete peculiar: o “Ministério da Conciliação”, ativo de setembro de 1853 a maio de 1857. Inicialmente liderado pelo marquês de Paraná e posteriormente pelo Duque de Caxias, ele se notabilizou como um dos mais estáveis do reinado de Dom Pedro II, reunindo membros tanto do Partido Liberal quanto do Conservador.
A dualidade partidária no Brasil persistiu até a década de 1870, quando a crise do sistema escravista levou a uma remodelação no cenário político, com a emergência do Partido Republicano, apoiado por parte dos latifundiários e setores urbanos, defendendo, entre outras pautas, a abolição da escravatura, que veio a ocorrer em 1888.
Pouco depois, a proclamação da República, em 1889, marcou o fim dos partidos do Segundo Reinado e trouxe significativas transformações jurídicas. O Partido Conservador foi dissolvido com a queda da monarquia, enquanto muitos liberais se adaptaram à nova realidade política, alinhando-se com os ideais republicanos e desempenhando papéis importantes na política da República Velha. O federalismo essencial da Constituição de 1891 fez surgir novos partidos estaduais, como o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM), que dominaram a cena política por quatro décadas. Muitos dos quadros eram formados por ex-membros dos partidos monárquicos e até por conselheiros do Império.
Juridicamente, além de consignar o regime republicano, a Constituição de 1891 introduziu como maior reformulação de ordenação, o federalismo, uma mudança significativa em relação ao aparelho centralizado do Império, além de estabelecer a separação entre a Igreja e o Estado e adotar um sistema presidencialista. As estruturas legais e judiciárias foram reformadas para refletir os novos princípios republicanos e federais. Houve ampliação dos direitos civis, além de mutações nas leis eleitorais, incluindo o voto universal masculino, embora com restrições.
No Brasil, os partidos podem parecer bastante semelhantes e os seus membros mais ainda. Mas as coisas precisam ser vistas com maior cuidado. Suas diferenças são, às vezes, suficientes para aglutinar os personagens que podem derrubar governos ou um regime. Nem todo saco de farinha é igual aos outros, nem homogêneo.