ARACAJU/SE, 26 de julho de 2024 , 20:33:50

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Sergipe é destaque no trabalho voluntariado no Rio Grande do Sul

Dados fornecidos pelo Ministério da Saúde apontam que a Região Nordeste foi a que mais disponibilizou equipes de voluntários para atuar no atendimento as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, com 33,2% do total de enviados. Sergipe foi o segundo estado a enviar mais profissionais, ficando atrás apenas da Bahia. Hoje, Sergipe ainda mantém voluntários atuando no RS. São agentes da Secretaria de Segurança Pública e da Secretaria de Estado da Saúde. Nessa quinta-feira, 06, embarcaram para lá cinco médicos, quatro enfermeiros e cinco técnicos. Para contar um pouco de como tem sido esse trabalho no RS, entrevistamos a enfermeira e ex-secretária de Estado da Saúde, e ex-superintendente do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Sergipe (Samu 192 Sergipe), Conceição Mendonça. Ela está na coordenação de planejamento e ações do Ministério da Saúde.  Conceição Mendonça não contém a emoção ao relembrar a situação que vivenciou nos primeiros dias. Ela também fala dos desafios para salvar vidas e no planejamento para reconstruir os equipamentos de saúde destruídos pela enchente, com destaque para 53 municípios que tiveram uma destruição maior e perderam toda a estrutura de assistência à saúde.

 

Correio de Sergipe – Essa semana foi divulgado que o Nordeste foi a região que mais enviou voluntários para atuar no Rio Grande do Sul. A Bahia liderou o número e Sergipe ficou na segunda colocação. Como você recebeu essa informação?

Conceição Mendonça –  Essa é uma missão que não é só dos sergipanos. Digo que os brasileiros se uniram em torno do Rio Grande do Sul. Sim, fiquei sabendo essa semana que o Nordeste está em primeiro lugar no ranking de voluntários no Rio Grande do Sul. A Bahia tem o maior número de voluntários, depois vem Sergipe. Somos o menor estado da Federação, mas estamos com inúmeros profissionais engajados nessa missão, sejam eles do SAMU, de Hospitais Filantrópicos e de outros órgãos que estão nos dando esse apoio.

 

CS – Como você define o trabalho voluntariado que tem sido realizado no Rio Grande do Sul?

CM – Não tem sido fácil. Inicialmente nós tivemos um momento de urgência, realmente uma emergência em saúde pública, então nós encaminhamos inúmeros profissionais de várias áreas. Foram enviados excelentes profissionais em suas áreas de atuação. Nos deparamos com um evento muito dinâmico: hoje, você tinha uma situação, no dia seguinte era outra. Então, o primeiro momento foi de reestruturar e tentar salvar o maior número de vítimas, ou seja, nós buscamos gestantes de alto risco, nós buscamos renais crônicos, pacientes oncológicos, pessoas das comunidades indígenas e quilombolas, moradores de rua, crianças e idosos acamados. Chegamos a fazer atendimentos em quatro hospitais de campanha, no pronto atendimento. Foi um misto de comoção e dor de pessoas que perderam sua identidade própria, isso porque tudo foi perdido.

 

CS – Como você define essa experiência profissional?

CM – Eu nunca vivi uma experiência tão frágil, tão dolorida como essa. Um misto de amor, de solidariedade, de humanidade e humildade. Você precisava ajoelhar e ficar naquele momento com aquelas pessoas. Muitas vezes não era de um medicamento que aquela pessoa estava precisando, mas de um olhar, de um abraço. Nós conseguimos fazer um mapeamento de 53 municípios em que a situação foi ainda mais grave. Para ser ter uma ideia, 97% dos 497 municípios que tem o Rio Grande do Sul foram afetados, sendo que desses, 53 municípios tiveram praticamente toda a rede de atenção à saúde destruída.

 

CS – Como tem sido garantida a assistência a saúde à população nesses municípios mais afetados?

CM – Nesses locais a assistência está sendo através de hospitais de campanha do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e do Ministério da Saúde. Também temos equipes volantes que nós colocamos para atendimento nos abrigos. Estamos começando a recompor e redesenhar essa rede de atenção à saúde nos locais onde perdemos prédios como maternidades, hospitais, todo tipo de equipamentos, prontuários de pacientes, medicamentos, enfim, tudo.  Foi uma destruição.

 

CS – Além da perda dos equipamentos de saúde, o que mais você pode destacar?

CM – Há muitos municípios onde tudo foi destruído: museus, escolas, prédios, bibliotecas. Você tem, então, pessoas que perderam documentos, cartão de vacina. Essa reconstrução será a longo prazo e a gente precisa estar voltado para salvar o maior número de vítimas. Além das doenças provenientes da situação, ainda temos as doenças tradicionais, os AVcs, infartos, sem falar na saúde mental destas pessoas. Estamos com equipe para cuidar da Saúde Mental em todos os abrigos, porque o povo do Rio Grande do Sul está com a saúde mental realmente afetada e essa é mais uma patologia que está se agravando. Então, é um cuidado que o Ministério da Saúde já instituiu que é o tratamento da saúde mental.

 

CS – A situação no Rio Grande Sul está longe de se resolver. Ainda há inúmeros desabrigados e desalojados e um grande número de pessoas doentes, seja do corpo ou da mente. Qual será o trabalho do MS daqui para a frente?

CM – Sim o trabalho não terminou. A gente agora vai tentar entender um pouco da situação nesse momento. O nível da água está baixando, mas a preocupação continua. Segue chovendo naquela região e quando volta a chover essa preocupação cresce dentro desse quadro de situação de emergência. As equipes continuam montadas por lá para atender a população e suas necessidades.

 

CS – Qual será o trabalho dos agentes de saúde a partir de agora? 

CM – Nós já temos um plano montado.  Mesmo com a água baixando o drama não se desfez porque as pessoas continuam nesse sofrimento, principalmente nessas 53 cidades onde não há mais equipamentos de saúde. O que significa isso? Não tem posto de saúde, não tem hospital, então, tem que reconstruir tudo. Nosso trabalho estará focado no plano de reconstrução da recuperação desses equipamentos nesses 53 municípios.

 

CS – Passado o momento mis crítico, dá para elencar prioridades a partir de agora?

CM – Em primeiro lugar temos que tratar as doença sazonais, diarreia, infecções respiratórias. Há muitos casos de síndrome respiratória aguda. Tá chegando a dengue, onde temos um número acentuado de casos.

 

CS Esse trabalho que o Ministério da Saúde está desenvolvendo no RS deve continuar até quando. Vocês já pensam em uma desmobilização?

CM –  A tendência é diminuir um pouco, mas ainda não pensamos em desmobilização. Estamos pensando em desmobilizar voluntários a partir do final de agosto para início de setembro. O planejamento que nós colocamos prevê pelo menos mais três meses de ações intensas. Essa semana falei com superintendente de Samu, com a Secretaria de Estado da Saúde, com o Hospital de Cirurgia para que pudessem selecionar alguns profissionais para assistência. Também estou tentando conseguir alguns bons profissionais em gestão para reconstrução da rede.

 

CS – Você quer deixar uma mensagem?

CM – Tem sido a maior dor que eu tenho passado na minha vida profissional, mas quando eu enfrento a realidade no Rio Grande do Sul e vejo aquelas pessoas tão desesperadas, que perderam sua própria identidade, isso só faz com que agradeça a Deus o fato de estar ali podendo dar as mãos àquelas pessoas, e dizer obrigado Senhor porque eu estou ali para ajudar. E triste, mas a gente tá indo nessa caminhada, porque foi a missão que Deus me proporcionou  e a tantos outros voluntários.

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