Todos querem ser felizes: isto é certo. Este almejar de felicidade está embutido no coração da humanidade de todos os tempos. Também no Evangelho de São Mateus encontramos tal preocupação: “Um jovem se aproximou de Jesus e disse: ‘Mestre, que devo fazer de bom para possuir a vida eterna?’. Jesus respondeu: ‘Por que tu me perguntas sobre o que é bom? Um só é Bom. Se tu queres entrar na vida, observa os mandamentos’. O homem perguntou: ‘Quais são os mandamentos?’. Jesus respondeu: ‘Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não levantarás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe, e ama teu próximo como a ti mesmo’. O jovem disse a Jesus: ‘Tenho observado todas essas coisas. O que ainda me falta?’. Jesus respondeu: ‘Se tu queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me’. Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mt 19,16-22).
Felicidade: esta não é um simples programa para esta vida. Para nós, cristãos, é um processo que envolve todas as dimensões do ser humano. Mas que, necessariamente, não terá como fim esta nossa passagem por este mundo de peregrinos, mas a nossa eternidade.
No anseio eminente de felicidade, temos a tentação de cair no engano de julgar que a santidade, como caminho de uma vocação à eternidade celeste, se dará unicamente pela prática fundamentalista dos mandamentos. Quem assim pensa, não está de todo equivocado. Porém, o patriciado celeste é mais exigente, se comparado apenas ao cumprimento de leis simplesmente por elas mesmas. Ensoberbecemo-nos, muitas vezes, por sermos ‘observantes’ de tais preceitos; ou pior, apegamo-nos às leis, ainda que sejam conveniências para um prêmio póstumo. Ora, o caminho do Decálogo, enquanto regra de vida, nunca deve ser desprezado, porém, não deve ser encarado como uma experiência sufocante e alienadamente servil. Os mandamentos divinos são trilhas para o seguimento do Mestre. Tais vias devem ser percorridas por nós, não como jugo, mas abastecidos pelo dom da liberdade; não idealizando outro interesse a não ser o de fazer a vontade de Deus, tendo às recompensas posteriores apenas como consequências das atitudes daqueles que amam o Senhor, incondicionalmente: “Guia-me no caminho dos teus mandamentos, pois nele está o meu prazer!” (Sl 119,35).
Observar o decálogo por mero preceito torna o homem um legalista. Ter um coração indiviso só para Deus, num trabalho que envolve a nossa consciência e esforço, é um primeiro e grande iniciar de um seguimento autêntico e radical a Jesus, Plena Lei de Vida e de Salvação. É para isto que o Senhor nos convida: na liberdade de um amor sincero e unicamente dele, seguirmo-Lo; Ele nos levará aos tesouros da pátria celeste. O jugo da lei mosaica é substituído, ou melhor, ganha um doce peso, graças à Lei Verdadeira: Jesus Cristo, Verbo Encarnado, que, com primazia, veio fazer a vontade do Pai; Jesus Cristo, a ‘Lei do autêntico Amor’. A liberdade interior no seguimento do Mestre não deve jamais compartilhar lugares com amores frívolos, já que até um cumprimento sem perspectivas transcendentais de fazer a vontade de Deus e unicamente isto, pode ser um amor banal que nos poderá levar a destruição, como nos diz o Apóstolo: “A letra mata” (2Cor 3,6). É o seguimento a Cristo que nos vivifica; e, vivificados desta forma, colocamo-nos a caminho para o cumprimento dos mandamentos, rumo à Vida Plena, a Eternidade, pois é Cristo Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14, 6).
E para nós de que servem tais palavras? Para sermos mais cientes de que o nosso “sim” dado desde o nosso Batismo como proposição de seguir Jesus e que deve ser renovado instantemente no decorrer de nossa existência – segundo por segundo, de opção em opção (por menor que seja) – deve ser regido de tal disponibilidade interior: de nos desapegar-nos de tudo, inclusive de uma possível escravidão às leis que, potencialmente, gera medo, se não tivermos como meta o livre seguimento a Jesus. Não temos condições de viver livres e felizes se não aspirarmos unicamente o Sumo Bem, renunciando às nossas lógicas humanas, que nos conjecturam às estruturas frágeis de ‘autossegurança’. Esta felicidade não deve, jamais, ser o motor do seguimento ao Divino Esposo, mas deve ser uma consequência: é porque o amamos com um amor eterno e indiviso que conquistaremos a Bem-Aventurança, não por nossos méritos, mas pela benevolência Daquele por quem deixamos realmente tudo para segui-Lo.
Renunciemos, pois, ao que nos impede de seguir o Mestre, ainda que, essencialmente, sejam realidades boas, mas que, porventura, tomam o lugar do ‘Amor Amado’ em nosso coração. Somente nós mesmos sabemos o que em nossa jornada se figura como ‘tudo o que temos’ (cf. Mt 19,21) e que o precisa ser feito com este ‘tudo’. Tal decisão é aparentemente dolorosa por ora, mas para quem se encontra imerso em Deus, ‘Tesouro de valor inigualável e indizível’, ela torna-se uma declaração de amor. Que, ao contrário do jovem apresentado no Evangelho de Mateus, larguemos as bugigangas que nos ofuscam e nos dão uma alegria efêmera, e corramos atrás da ‘Verdadeira Riqueza’.