Por duas vezes, o legislador, na fixação dos honorários advocatícios, embutidas nos incisos e parágrafos do art. 85, do Código de Processo Civil, alude à apreciação equitativa. Dentro da redação atual, com o encaixe do §6º-A, pela Lei 14.365 [2022], já começa com a proibição de seu uso nos casos alicerçados nos §§2º e 3º, consagrando-o tão só na situação do §8º, limitada a aplicação tão só do percentual de dez por cento, fruto igualmente da referida Lei 14.365, jogando na lata do lixo o de vinte por cento. Esse o panorama vigente.
Apreciação equitativa simboliza fixação justa, isenta, desapaixonada, permitida apenas em situação enroupada no §8º, invocados os critérios do §2º, com a limitação já destacada. referido §8º cuida de causas em que é inestimável ou irrisório o proveito econômico e com as causas em que o seu valor for muito baixo. Em suma, causas de pobre, digamos assim, no que mantém harmonia com a fixação de honorários de pouca monta. Fosse caso de internar o paciente em hospital, dir-se-ia que ficaria na enfermaria ou no corredor. Apartamento específico, nem sonhar.
Estranhamente, quando se cuida de altos valores, exemplo maior hospedado no inc. V, do §3º, valor da condenação ou do proveito econômico obtido superior a cem mil salários-mínimos, a apreciação equitativa é regia e expressamente proibida [§6-A], afinal todo cuidado é pouco para evitar que algum juiz feche os olhos para a redação da norma e sapeque a apreciação equitativa. Desobediência é que não falta. Daí a preocupação de atempar o percentual, porque, no caso do §3º, o tratamento dado é vip, apartamento digno de rei, enfermeiros e médicos permanentemente presentes. Para as grandes causas, de acordo com o critério do proveito econômico obtido ou o valor da condenação, os altíssimos honorários, para não se referir a milionários. O casamento se faz perfeito: lelé com lelé, cré com cré
A tática redacional divide bem o método de fixação, mantendo presente velha máxima de grandes remédios para os grandes males, entenda-se, para as grandes causas, honorários lá em cima; para as pequenas, honorários lá embaixo, porque se o valor da causa é pequeno, os honorários serão mais insignificantes, também. Harmonia perfeita.
O traço que chama a atenção, quiçá por não terem percebido pedaço da cauda do monstro que ficou de fora, foi o batismo que o Código de Processo Civil fez com relação a fixação com suporte no §8º – apreciação equitativa. É semente que não nasce em solo forrado com o estrume do §3º. Só é justa a que se inspira no §8º, eis lá o legislador abandonando a formalidade do texto para elogiar minúscula parte de sua obra. A outra, centralizada nos §§2º e 3º, não o é, proibida sua aplicação, embora, no miolo de seu conteúdo, não só se constitui na mais importante do Código de Processo Civil, dentro do capítulo atinente aos honorários, como igualmente por ser a única a ensejar, até agora, centenas de discussões e decisões, sem que se tenha ainda enfrentando a matéria de acordo com o complicado arcabouço traçado pelo legislador.
A preocupação do legislador é com o proveito alto ou altíssimo, e não com o proveito econômico inestimável e irrisório ou o valor da causa mui baixo. Para as causas, – cujo valor não foi acentuado, ou seja, que representa o contrário das situações declinadas no §8º, pela desnecessidade e, até mesmo por questões de puro recato, bem, para essas causas, que, ao contrário das do mencionado §8º, podem gerar honorários apatacados, – o legislador cercou o parto dos muros e obstáculos, proibindo a aplicação da apreciação equitativa, declinando ante valores diferentes percentuais também díspares, fechando todas as congostas possíveis e impossíveis, a fim de evitar situações estranhas que a mente de algum julgador pode produzir e, assim, jogar areia no doce. Em outras palavras, é céu livre, todo o espaço do mundo para o julgador trabalhar e fazer a cirurgia na certeza de que dará à luz sempre a criança abastada.
A diferença de tratamento é escancarada, com apenas um ponto comum: a observação dos critérios do §2º. Nas causas regidas pelo §8º, inicialmente, assenta-se os honorários-base, adicionando-se o percentual de dez por cento. Liberdade apenas na escolha dos honorários-base, a não depender do inestimável ou irrisório proveito econômico, nem do valor da causa muito baixo, só da causa em si, em sua essência e desenvolvimento, independentemente de números, sem abrir mão do exame dos critérios do §2º. A liberdade, que aí impera, se dilui, como neblina depois que o sol surge, quando o cenário se rege pelo §3º. O julgador caminha com pernas e vê com olhos que o legislador lhe deu. O espaço é curto para jornadear e enxergar. Só lhe resta cumprir ordens.