ARACAJU/SE, 27 de abril de 2024 , 19:42:33

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Sobre o termo desembargador federal

Quando da elaboração da Constituição [vigente], no desdobramento do Tribunal Federal de Recursos em cinco tribunais regionais [federais], o título de ministro, que deveria ser atribuído aos integrantes desses novos tribunais, foi impugnado por membros influentes do [futuro] Superior Tribunal de Justiça, segundo circulou à época. Reservar-se-ia o título aludido apenas aos membros dos tribunais superiores, evitando-se banalização. Não sei se o termo desembargador, hoje utilizado nos tribunais regionais – federal, do trabalho e eleitoral -, foi também cogitado e vetado. O certo é que, no final, atribuiu-se aos membros dos tribunais regionais federais o título de juiz, e, assim permaneceu e permanece, em nível constitucional. É com essa denominação que todos os decretos de promoção e nomeação aludem ao cargo, no que se refere, pelo menos, aos membros dos tribunais regionais federais.

A denominação de juiz foi usada no início da instalação dos cinco tribunais regionais federais, sem nenhuma exceção, até que, em determinado momento, que não sei precisar, findou substituído pelo de desembargador federal, sem respaldo da Constituição, e, aos poucos, embora contasse com algumas discordâncias, contaminou os demais tribunais federais, que passaram a adotar o título de desembargador, brotando uma longa qualificação: desembargador federal, desembargador federal do trabalho e desembargador federal eleitoral, respectivamente.

Ou seja, se a Constituição negou aos membros dos tribunais regionais federais a expressão de ministros, a prática do dia a dia forense, a partir de certo instante, foi buscar a etiqueta de desembargador para nominar todos os membros dos tribunais regionais federais -, sem que, até agora, tivesse ocorrido qualquer contestação, ou ao menos, pelo que sei, qualquer discussão a respeito, gerando o fenômeno que poderia ser chamado de dupla personalidade, caso fosse analisada a questão a luz da psiquiatria: nos despachos, decisões e votos, todos os seus membros aparecem como desembargador federal, desembargador federal do trabalho e desembargador federal eleitoral; nos decretos de nomeações e promoções, apenas juiz.

Não sei se há alguma emenda constitucional tramitando no Congresso a respeito, ou, a matéria tenha sido considerada insignificante para ser levada ao texto constitucional. O certo é que o dístico de desembargador, secularmente atribuído, em nível oficial, aos membros dos tribunais estaduais, exerce profunda e implícita atração, daí a sua adoção, a ponto de membros dos tribunais regionais federais se sentirem encadeados pela designação, e, na impossibilidade de se denominarem de ministros – como, aliás, deveria ser, pelo desdobramento do tribunal federal de recursos em cinco tribunais regionais -, se apegaram a expressão de desembargador, e, como desembargador permanece sendo usado em todos os atos – administrativos e judiciais – praticados no seio dos seis tribunais regionais federais.

Já contei, em crônica, um fato, ocorrido comigo, que bem revela o poder de magnetismo que o título de desembargador exerce. Um conhecido me pedia para apadrinhar um emprego de motorista terceirizado no Tribunal de Justiça sergipano. Eu me esquivava, um drible aqui, desculpa ali, sempre no sentido da falta de poder e de intimidade para tanto, quando o meu interlocutor invocou minha condição de desembargador. Expliquei que, para a Constituição, eu era apenas juiz, porque era assim que constava do Texto Maior. A revelação neutralizou o insistente pedinte, que, inteligentemente, mudou de assunto, decepcionado com o fato de eu não ser desembargador, de verdade. É, apenas, um exemplo do deslumbramento que o termo de desembargador carrega em si. Acho até que é mais forte que o de ministro, porque, afinal, há os ministros de Estado, como há os ministros de igrejas evangélicas, o que torna comum o uso do termo aludido. Em contraposição, não há outro cargo, quer em Estado-membro, quer na União, que seja de desembargador, a não ser dos membros do respectivo Tribunal de Justiça.

Por outro lado, a exposição da matéria serve tão só para mostrar ao leitor que o uso do letreiro de desembargador para membros do Poder Judiciário Federal não nasceu agora, depois da Constituição atual, já tendo surgido anteriormente, décadas e décadas atrás, como é exemplo, o art. 13, da Lei 4.439, de 24 de outubro de 1964, a apregoar que os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho terão a denominação de juízes, vedado o uso do título de Desembargador, que é privativo dos integrantes dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Evidentemente que se trata de uma norma que veio para combater outra que, por certo, outorgava o título de desembargador aos membros do Tribunal Regional do Trabalho, ou foi omissa, inspirando os últimos, com o vazio da lei, a se denominarem de desembargador. Tornou-se necessário o sinal vermelho do legislador a estrugir o não. Uma pesquisa na legislação atinente à criação dos tribunais regionais do trabalho responde a dúvida. Por ora, só o registro da tentativa de ontem, que foi proibida, e a de hoje, generalizada, não mereceu resposta do legislador.