ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 6:40:54

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A fazenda pública e os honorários

 

Na crença popular, atribui-se a União, em geral, o epíteto de A Viúva, ou seja, mulher rica que paga todas as despesas, ou, avançando mais, cujo cofre nunca se esvazia. Uma vez, aproveitando modelos de sentença, ante tantas demandas idênticas, a repetição marcando presença, utilizou-se de um modelo diferente e no final a consignação da dispensa para com o pagamento das custas processuais por se tratar de uma pobre viúva. O problema é que não se verificou a qualidade do vencido. No caso especifico daquela sentença, a vencida era a União, o epíteto de pobre viúva lhe endereçado, não sendo publicado pela cautela do setor devido de ler a sentença antes de liberá-la. Fui salvo pelo gongo. Mas, nas entrelinhas, terminei considerando que eu acertava errando.

Com o Código de Processo Civil vigente o salto extraordinário que o legislador deu as lides da Fazenda Pública, colocando-a na altura das estrelas, a ponto de abrir um parágrafo, no meio dos vinte e dois que formam o art. 85, só para as suas causas, jogando na lata do lixo, digo, da história, o pouco prestígio que o Código anterior lhe concedia. É cotejar o § 4º, do art. 20, para se constatar estar a Fazenda Pública no meio das causas de pequeno valor, de valor inestimável, naquelas em que não houve condenação, nas execuções, embargadas ou não,  e então, as da Fazenda Pública, limitada as nas causas em que era vencida.

Dessa vizinhança de pobreza, percebeu o legislador que a Fazenda Pública merecia ser promovida, de soldado raso para general, – extraordinário salto -, concedendo-lhe, assim, um parágrafo só para ela, e, já cônscio de que atrás da Fazenda Pública  a controvérsia se traduz em valores, baixos, médios, altos e altíssimos, não perdeu tempo, plantando tabela de preços, isto é, de percentuais, colocando-a com bem destaque na vitrina, para conhecimento prévio não só dos delegados da Fazenda Pública, – que, ao que parece, não enxergam – e de todos que  contra ela litigam.

São preços vips, a começar por duzentos salários-mínimos até galgar o pico máximo de acima de cem mil salários-mínimos, dividindo-os ao lado dos percentuais, em cinco incisos, variando este, numa escala crescente, de três, cinco, oito, dez e vinte por cento sobre o valor da condenação e/ou, do proveito econômico obtido, e, por último, se não for factível a utilização de um ou do outro, sobre o valor atualizado da causa. Do Código anterior, o marco de recair sobre o valor da condenação. Indo um pouco abaixo nos degraus do tempo, o de 1939, na pouca importância à matéria, só estabelecendo de diretriz o arbitrar com moderação e motivadamente [§ 1º, do art. 64].

Agora, não, como a dizer que a montanha se acordou, pariu um gigante, sendo, ao mesmo tempo, da Fazenda Pública e de quem contra ela litiga, tanto o anjo, que anuncia um valioso prêmio no final da lide, se vitorioso for, como o satanás a exibir suas garras anunciando que o perdedor vai pagar seus pecados no inferno, pela altíssima quantia que terá de desembolsar sob o carimbo de honorários, tudo com a chancela da norma.

Não se passa despercebidas, no mundo do agitado dia a dia forense, movidas pelo ente municipal contra a União, por exemplo, lides temerárias, com valor da causa subindo a casa dos milhões, nas quais, se espremendo com tecido forte, o sumo que escapa revela a disfarçada ganância de quem as subscreve, a intenção fixa na mal calculada vitória, pelo que de exorbitantes honorários pode cair no bolso do seu subscritor, levando, com o resultado negativo, o ente municipal a situação vexatória, o feitiço  virando contra o feiticeiro.

Contudo, para usar uma expressão de Tobias Barreto, os honorários da lei processual civil vigente não caíram do céu. Foram preparados, ao longo dos anos, pela legislação atinente às lides da Fazenda Pública, sobretudo nas execuções fiscais, sendo um exemplo o Decreto-lei 1.025, de 21 de outubro de 1969, batizando os honorários com a tímida denominação de taxa, no total de vinte por cento, evidentemente sobre o valor da dívida, reiterando-se sempre em outros diplomas os  percentuais, de dez e vinte por cento. O legislador do Código de Processo Civil apenas pescou o imbróglio dessa longa legislação tributária, sempre a  reservar honorários em favor da Fazenda Pública.

A novidade se constituiu na elevada promoção que atingiu a Fazenda Pública em todas as esferas, da federal a municipal, condenando-a também a arcar com honorários da mesma forma que ocorre quando é vencedora. A luz, a encadear, ou o veneno a enxertar, é pensar que o § 3º tem autonomia própria, movendo-se sozinho, na suposição que é desnecessário observar, antes de tudo, os critérios embutidos nos incisos do §2º. Aí repousa o nó górdio. Tentaremos desatá-lo em outra ocasião.