ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 6:00:23

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A inelegibilidade de Jair Bolsonaro por abuso de poder político nas eleições de 2022

O Tribunal Superior Eleitoral julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE nº 0600814-85.2022.6.00.0000) e, por maioria de cinco votos a dois, condenou o ex-Presidente da República Jair Bolsonaro pela prática de abuso de poder político e do uso indevido dos meios de comunicação nas eleições de 2022, tendo em vista a sua comprovada responsabilidade pessoal e direta na conduta, praticada em benefício de sua candidatura à reeleição, sendo declarada então a sua inelegibilidade por oito anos seguintes do pleito de 2022.

No dia 18/07/2022, o então Presidente da República e pré-candidato à reeleição organizou, conduziu e realizou uma reunião no Palácio do Alvorada, com embaixadores de países estrangeiros no Brasil, para apontar o que seriam falhas no sistema eletrônico de votação e descredibilizar a Justiça Eleitoral, com transmissão pela televisão e internet.

Segundo decidiu o TSE, ficou demonstrado em toda a prova produzida que esse discurso era mesmo parte de uma estratégia de radicalização das bases eleitorais do então candidato, com vistas à autopromoção eleitoral e também continuidade de preparação discursiva e comunicacional de eventuais atos antidemocráticos e golpistas em caso de derrota eleitoral (de algum modo, tais atos ocorreram, como o quebra-quebra no dia da diplomação do candidato vencedor e nos atos do 8 de janeiro de 2023).

Nesse contexto fático é que houve a perfeita tipificação jurídica do abuso de poder político e do uso indevido dos meios de comunicação. Observe-se que a legislação eleitoral, ao detalhar o assunto, cumpre determinação constitucional no sentido de que a normalidade e a legitimidade das eleições devem ser resguardadas contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9º).

Daí a Lei Complementar nº 64/1990 (“Lei das Inelegibilidades) estabelecer a ação de investigação judicial eleitoral como procedimento para apurar esses tipos de abuso e que, julgada procedente, “[…] o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato” (art. 22, inciso XIV).

O abuso do poder político compareceu aí tanto na utilização da estrutura de governo para realização de uma reunião com nítida finalidade eleitoral (esbarrando nas vedações do art. 73 da Lei nº 9.504/1997, que é a “Lei das Eleições”) quando no abuso da utilização dos meios de comunicação, para a qual também existe disposição na Lei nº 9.504/1997, dentro do contexto da propaganda eleitoral em geral no qual se inserem dispositivos específicos sobre propaganda eleitoral na televisão e no rádio (meios de comunicação social tradicionais) e também na internet.

Sobre isso, a decisão do TSE aprofunda para indicar essa virada já percebida no sentido de que, paulatinamente, a internet veio se tornando o principal veículo de propaganda eleitoral, suplantando mesmo TV e rádio, como se constatou por exemplo na eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018, uma candidatura que, então, dispunha de pouquíssimo tempo na TV e no rádio para a propaganda eleitoral gratuita, valendo-se para a sua propaganda essencialmente das chamadas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), plataformas sociais via internet.

Veio daí também a configuração do abuso decorrente da transmissão daquele conteúdo de desinformação sobre as eleições no Brasil difundido pelo ex-Presidente da República na apontada reunião com os embaixadores: a transmissão ao vivo pela internet com divulgação de notícia falsa por parte de agente público já havia sido considerada pelo TSE prática de abuso de poder e uso indevido de meio de comunicação social nas eleições, afrontando a sua normalidade e legitimidade, em julgamento ocorrido no ano de 2021 envolvendo candidato a cargo legislativo.

Um outro aspecto bem relevante do julgamento foi o exame da gravidade da conduta. Durante bom tempo, a jurisprudência do TSE apontava a necessidade, para condenação por abuso de poder, da demonstração da potencialidade da conduta em alterar o resultado da eleição, para, por exemplo, evitar a cassação de alguém eleito pela prática de um fato abusivo que, porém, não teria sido representativo para o resultado da eleição. Depois a própria lei passou a determinar que o relevante não é a potencialidade de alterar o resultado da eleição, mas sim a gravidade da conduta (“[…] para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.” – art. 22, inciso XVI da LC 64/1990, incluído pela Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei do Ficha Limpa).

No julgamento, o TSE considerou a gravidade do fato em concreto, no sentido de serem suficientes para conduzir à inelegibilidade do candidato não eleito na medida de sua responsabilidade. E essa gravidade foi constatada em diversas dimensões qualitativa e quantitativa: além de outros importantes fundamentos, o teor do discurso proferido pelo então Presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro em 18/07/2022, no Palácio da Alvorada, disseminou severa desordem informacional sobre o sistema eletrônico de votação (e com isso desordem informacional envolvendo a própria democracia) e comprovou-se, com riqueza de detalhes, que a estrutura pública da Presidência e as prerrogativas do cargo de Presidente da República foram direcionadas em favor da sua candidatura, o que, por si só, já assenta a enorme gravidade da conduta.

Esses foram, em apertada síntese, os contornos desse importantíssimo julgamento do TSE. A acompanhar como será a aplicação desses fundamentos em outras ações semelhantes que envolvam detentores de mandatos executivos e candidatos à reeleição (ou eleição para outro cargo) quando, acusados desse tipo de abuso de poder político e de uso dos meios de comunicação, venham a ser eleitos.