ARACAJU/SE, 7 de setembro de 2024 , 20:44:46

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Do ontem ao ainda hoje

No meu tempo de menino, o Código Penal, que a gente conhecia, só tinha um único delito: o de matar. Sendo mais claro, ninguém sabia o que era o Código Penal, nem ao dito diploma se referia, só se lidava com o homicídio, embora o termo em si não fosse pronunciado. Formado em Direito na aldeia apenas o juiz, lembrando que o promotor, em muitos tempos, era estudante de direito, passando vergonha quando, em júri, o advogado de defesa invocava noções de Medicina Legal. Dizia-se de um, que, em pleno júri, respondeu que a defesa só se referia a tal matéria porque ele ainda não a tinha estudado, ou seja, não tinha como rebater os argumentos da defesa.

O geral era o assassino ser chamado de criminoso, a carregar quase o significado de leproso, de pessoa que todos se afastavam, pena que a sociedade decretava naturalmente, independentemente das preferências políticas do autor do homicídio e do resultado do júri. E pronto, não se falava de nenhum outro delito. O mais era a família do autor do homicídio ir de porta em porta para pedir aos jurados, na véspera do júri, o voto favorável ao acusado-parente. Em Itabaiana, quando o fórum ficava na Praça da Igreja, assim que o corpo de jurados se formava, a plateia, que se aglomerava nas cadeiras, já sabia qual seria o resultado. Conta-se, e é verdade, que um jurado demorou a responder a um quesito, levando o juiz a lhe indagar a dificuldade, ao que este respondeu que queria “sortar” o preso. O júri foi imediatamente suspenso.

Na Faculdade de Direito, o estudo do Direito Penal começava no segundo ano, Jussara Leal no comando da cadeira, o Código Penal, enfim, adquirido e consultado, tornou-se um livro comum, colocando um ponto final nos nossos minguados conhecimentos penais, e, mais do que isso, o alargando, para encaixar outros e outros delitos, e, de uma vez por todas, constatar que o criminoso não era só quem matava alguém, mas quem cometia um crime, qualquer que fosse, derrubando o mito da infância no crescimento de sua abrangência.

Contudo, o termo, teimosamente, não desapareceu, ficando grudado na memória, de modo que, ainda hoje, meio século de diplomado, quase quarenta e seis de magistratura, não denomino,  nem na mente, um acusado de qualquer delito de criminoso. Só o que pratica homicídio. Não tem jeito.

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras