Adélia Moreira Pessoa
Neste agosto lilás vamos dialogar, em uma serie de artigos, sobre este tema tão necessário: a violência contra a mulher, uma pandemia que ainda assola o mundo e para a qual precisamos encontrar soluções. No dia 7 de agosto de 2024, a Lei 11.540/2006 – Lei Maria da Penha – completou 18 anos de existência. Elaborada com objetivos de prevenção da violência doméstica, proteção da mulher e da família e responsabilização do autor, determina políticas públicas integradas, transversais e interdisciplinares da União, estados e municípios para atendimento de suas finalidades.
O que mudou de 2006 a 2024, para as mulheres em situação de violência? Quais os desafios para a efetividade integral da Lei Maria da Penha no Brasil? O aumento de pena ou medidas mais gravosas para os crimes cometidos contra as mulheres é solução?
O Brasil continua buscando caminhos para a superação da violência doméstica que ainda permeia a nossa sociedade e repercute no viver quotidiano de tantas mulheres, de tantas famílias. Um longo caminho já percorrido, mas ainda um longo caminho a percorrer… Será que a LMP e suas múltiplas alterações ocorridas nestes 18 anos possibilitaram um real acesso das mulheres aos direitos e à justiça?
O acesso à justiça pode ser encarado como o mais básico dos direitos humanos inseridos no contexto de um sistema jurídico moderno e igualitário, comprometido com a garantia (e não apenas com a proclamação) do direito de todas as pessoas.
O acesso ao direito e à justiça precisa observar algumas dimensões: a primeira é a dimensão normativo-formal, ou seja, o reconhecimento dos direitos pelo Estado e sua formalização em normas jurídicas – não só a Constituição, mas também as Convenções e Tratados Internacionais, ratificados pelo Brasil com o entendimento de que o direito contemporâneo deve ser visto à luz de novos paradigmas, com o consequente controle de convencionalidade, além do controle de constitucionalidade.
Vale lembrar que, há mais de quatro décadas, houve o reconhecimento internacional de que a discriminação de gênero – e da violência, sua face mais perversa – constituía problema social e político que deveria ser enfrentado. O Brasil seguiu as transformações, ocorrendo também múltiplas mudanças normativas: foram editadas normas jurídicas relativas ao enfrentamento à discriminação e à violência em razão de gênero, tanto constitucionais e legais no âmbito interno, como as originadas na esfera internacional, com a ratificação pelo Brasil da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW (de 1979), da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994) e demais normativas internacionais, pertinentes em suas interseccionalidades. Com a ratificação, o Brasil incluiu tais preceitos em seu ordenamento jurídico e comprometeu-se a garantir esses direitos a todas as mulheres, além de buscar sua plena efetividade.
Ao lado das normativas internacionais ratificadas pelo Brasil, a Constituição Brasileira de 1988 muito avançou nesta área, determinando novos contornos para a igualdade de gênero e enfrentamento à violência doméstica, não mais se contentando com a expressão de que ‘todos’ são iguais perante a lei ‘sem distinção de sexo,’ que já constava constituições da República. Era preciso deixar explicitado claramente, como pleiteavam os movimentos de mulheres, para que dúvida alguma existisse nos intérpretes. Assim, com uma clareza solar, a CF de 1988 repetiu, em vários dispositivos, essa igualdade, como disposto no art. 5º, inciso I – “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição”. **