ARACAJU/SE, 22 de outubro de 2024 , 10:41:57

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O berço dos honorários sucumbenciais

Por Vladimir Souza Carvalho

Confesso que, até agora, depois de oito anos de vigência do Código de Processo Civil, e de mais de quatro décadas no exercício da magistratura, ainda não encontrei um argumento que me convencesse do acerto do Código de Processo Civil ao reservar um parágrafo, o de número 14, no art. 85, para decretar ser os honorários direito do advogado, operando verdadeira revolução na matéria, levando em conta as disposições dos diplomas anteriores.

Venhamos e convenhamos, o advogado não é parte no feito. Seu papel é o de procurador de uma delas, representando-a na lide, por força de lei, e, nessa condição, não se liga ao mérito da demanda. O advogado não litiga. Não perde a demanda, nem se torna vencedor. Quem o faz é o seu cliente, este sim, o dono da pretensão, como autor, réu, assistente ou opoente. O advogado é apenas o profissional, encarregado de assisti-lo, habilitado que se encontra de acordo com as normas vigentes. Parte e procurador se estendem por conceitos diferentes, que, nem no final da linha se encontram. Quando o julgador, na sentença, condena o vencido em honorários, não condena o seu advogado, mas a parte, representada pelo advogado, de cujo bolso os honorários sairão.

Como justificar, então, que pessoa, estranha ao feito no que debatem os litigantes, sem ter nenhuma conexão com o mérito da demanda, possa ser beneficiada com bem de vida, no caso, honorários sucumbenciais?

Insira-se no debate o fato da sentença só fazer coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros (art. 506).  O CPC/1973 era mais amplo: não beneficiar ou prejudicar terceiros (art. 472). O verbo beneficiar foi retirado para deixar somente a assertiva de não prejudicar terceiro, entendido como quem não integra o feito em qualquer das quatro posições processuais devidas. Legitimou, assim, o direito do advogado do vencedor ser o destinatário/titular das verbas de sucumbência, à míngua de qualquer obstáculo, com a exclusão do verbo beneficiar.

Tomando como farol, o vencido não é obrigado a pagar honorários a quem não foi parte na demanda, porque só os litigantes estão afetos aos efeitos da sentença. O advogado é um estranho entre as partes, não podendo nem ser considerado um terceiro, porque afinal, reitere-se, é apenas o profissional técnica e legalmente habilitado para o papel de representar a parte em juízo.

Vencida uma das autoras da lide, condenado o vencido em honorários, estes se destinam ao advogado. Além do pagamento que faz ao seu advogado, este, também, ainda recebe, da parte vencida, contra quem não litiga [quem litiga é o seu constituinte] honorários sucumbenciais  tendo como parâmetro o valor da condenação, o proveito econômico obtido pelo vencedor e/ou o valor atualizado da causa, trilogia que só diz respeito a pessoa do vencedor, servindo-se para fins que não se lhe ligam diretamente. O advogado apenas se vale de parâmetro que não lhe pertence, que nada guarda de conexão com a sua pessoa e o seu desempenho nos autos. Em miúdo: o advogado da parte vencedora se sustenta em arrimo do vencedor. É assim que está no Código de Processo Civil, vontade do legislador que, nesse sentido, deve ser respeitada e cumprida… até ser revogada.

Sobram dúvidas. Uma delas, transitado o julgado a sentença, pode o advogado pleitear o cumprimento da sentença diretamente no próprio processo de conhecimento? Penso que não, por não ser parte do feito,  no qual, por ter seu constituinte sido vencedor, foi coroado com os honorários advocatícios, que desafiam a sua cobrança, devendo, por força do motivo acima declinado, ser pleiteada em outro processo, limitado ao cumprimento de sentença, a desafiar, como todos os demais, a sua impugnação por parte do vencido na ação principal, abrindo-se espaço para discussão de certas e delimitadas matérias, espalhadas nos incisos que formam o art. 525, reiteradas nos incisos que constituem o art. 535.

No cumprimento da sentença, no que tange a execução do capítulo atinente aos honorários sucumbenciais, o vencedor cede lugar ao seu advogado, numa estranha cirurgia na qual a lei adjetiva civil – não a lei substantiva civil -, lhe promove a condição de credor da parte vencida. Pode a lei adjetiva assim proceder, quando sua finalidade é de ordenar, disciplinar e interpretar o processo civil, de acordo com os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição, observadas as disposições do mencionado Código de Processo Civil [art. 1º]?. Onde repousa o poder de transformar o advogado do vencedor em credor do vencido, se sua função da lei processual civil é, repete-se, ordenar, disciplinar e interpretar o processo civil? O Cristo transformou a água em vinho por ser um Deus. Mas, aqui, não há lugar para divindades, – que, aliás, não litigam, – nem para milagres. O Código de Processo Civil pode criar esse direito? É a dúvida, sorriso da Mona Lisa, que ainda não consegui decifrar.