ARACAJU/SE, 28 de abril de 2024 , 3:08:55

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Os Dias da Democracia

No Brasil, o Dia da Democracia é comemorado em 25 de outubro, dia que coincide com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, pelo regime militar. Outra data convencionada para essa celebração é 15 de setembro, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007 para recordar o advento da Declaração Universal da Democracia, de 1997.

Exaltar a democracia é fundamental. É preciso estar ciente de que ela é um regime frágil e dependente da participação da população. Sem a sustentação dos cidadãos, a democracia pode perecer, como já ocorreu em outros momentos da história.

A democracia não é inevitável, nem invencível. Pelo contrário, mais pessoas vivem hoje em regimes não democráticos do que em países que a praticam plenamente. Em ditaduras, vivem 2,6 bilhões de habitantes. Em autocracias eleitorais, que são países em que é possível votar em eleições multipartidárias, mas outros direitos essenciais, como liberdade de expressão e a independência de instituições como Legislativo e Judiciário, são suprimidos, moram 3,6 bilhões. Esses números são maiores do que o de pessoas que vivem em Estados Democráticos de Direito, que é de 2,3 bilhões.

A democracia, não é universal, mas tem raízes antigas. A etimologia da palavra sugere que ela surgiu na Grécia, mais precisamente em Atenas. A maioria dos textos atribui a ela essa origem grega de forma automática. Alguns estudiosos, porém, acreditam que a democracia direta, assemblear e institucionalizada já existia em sociedades anteriores à ateniense.

Em “A mais breve história da democracia”, John Keane, professor de Ciência Política da Universidade de Sidney e do Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung (WZB), aponta que estudos arqueológicos detectaram que a democracia nasceu em terras que hoje correspondem à Síria, Iraque e Irã, por volta de 2500 a.C.

Ele anota que o arqueólogo dinamarquês Thorkild Jacobsen (1904-1993) identificou uma forma de democracia assemblear na região entre os rios Tigre e o Eufrates.

Em algumas cidades da Mesopotâmia, como Larsa, Mari, Nabada, Nipur, Tutul, Ur, Babilônia e Uruk, os habitantes se reuniam sistematicamente para deliberar sobre questões políticas e julgar casos. Essas reuniões eram realizadas nos templos (zigurates), mas não necessariamente incluíam toda a população. Em alguns casos, as reuniões eram segmentadas por regiões (bairros, zonas) ou classes (comerciantes, soldados, contribuintes etc.). Essa forma de governo, em que o poder era dividido entre diferentes centros de decisão, é chamada de policêntrica. Mesmo que houvesse um rei governante, ele tinha de ouvir o que esses centros decisionais tinham a dizer, sob pena de revoltas. Em algumas circunstâncias, diferentemente do que viria a acontecer em Atenas, as mulheres, os estrangeiros e os escravizados também eram admitidos nesses processos deliberativos.

De acordo com Keane, a instituição dessas reuniões se espalhou para as margens do Mediterrâneo, em especial para Biblos, na Fenícia. Os fenícios, um povo comerciante e navegador, levaram essa prática para outros lugares, como a Grécia antiga. Antes de Atenas se tornar o referencial de democracia direta, há registros de assembleias semelhantes em Dreros (entre 650 e 600 a.C), Chios (entre 575 e 550 a.C) e Ambrácia (por volta de 580 a.C). A sociedade ateniense começou a sua transição para um regime de democracia assemblear por volta de 507 a.C, depois de todas essas outras localidades.

A democracia ateniense era excludente: estavam fora dela os estrangeiros, os escravizados, as mulheres e os condenados. Apesar disso, suas reuniões tiveram o mérito de incutir a noção de distribuição do poder deliberativo por um número significativo de pessoas. Daí o seu reconhecimento.

Embora tenha sido um modelo para o mundo ocidental, ela não durou muito. A expansão comercial e imperial ateniense, a constante necessidade de se defender de conflitos externos, combinada com a militarização da sociedade, enfraqueceu o espírito democrático de Atenas. Por volta de 260 a.C., a democracia ateniense já havia desaparecido e a cidade foi subjugada pelos macedônios. Em outras cidades-estados gregas, a democracia também padeceu com a conquista militar, a conspiração dos ricos ou a ascensão de tiranos. A democracia original submergiu.

De lá para cá, o sentido, a forma, a extensão e a profundidade da democracia mudaram muito. É até difícil estabelecer um laço de união entre o que hoje se chama de tal e o que existia nesse instante da Antiguidade. Talvez apenas o propósito de compartilhar poder e restringir abusos dos governos.

A democracia, como conceito, evoluiu ao longo do tempo. Hoje, ela não é apenas a prerrogativa de votar, de participar das decisões políticas, mas também o respeito à diversidade, a admiração pela pluralidade, o amor pelas liberdades públicas, a adequada limitação dos poderes, o atendimento dos direitos e o cumprimento dos deveres. É o estágio mais elevado do desenvolvimento institucional humano, o apogeu da possibilidade de igualdade entre as pessoas. Por isso, a democracia é sempre um exercício e uma utopia, um caminho a ser percorrido, nunca uma obra pronta. Habitar um estado democrático é uma aventura cívica, uma busca constante de aperfeiçoamento coletivo. É um caminho que deve ser percorrido coletivamente, na busca de um futuro promissor. É, também, uma responsabilidade, para homens e mulheres de boa-vontade, que buscam a paz e o diálogo, que anseiam por uma vida digna. Todos os dias.