ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 6:43:55

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Situações que escapam do art. 85, CPC

A presença do art. 85 e vinte e dois parágrafos, do Código de Processo Civil, gera a certeza da fartura de dispositivos ser suficiente para resolver qualquer situação factual em termos de fixação dos honorários, e de não ter ficado fora qualquer cenário desprovido de parágrafo respectivo a fim de acomodá-lo em seu texto. Funcionaria, assim, como uma prateleira de remédios em farmácia. Era o caso relatado ao atendente e o remédio entregue. Tudo bem simples.

A realidade é totalmente diferente. Os vinte e dois parágrafos do art. 85 (dezenove na redação primeva e três mais fincados depois) se revelam insuficientes, brotando, no dia a dia, cenários que desafiam um parágrafo, sem que nenhum, absolutamente nenhum, possa agasalhá-lo com precisão, nem em parto a fórceps, nem quebrando, no martelo, as arestas para a acomodação necessária. O legislador, apesar do imenso rol de dispositivos, assanhou com seus gargarejos, e, terminou parindo um rato, imitando a montanha.

O asserto feito se baseia em uma série de feitos, descidos da Instância Especial, com o fim de se aplicar, como denota a remissão, apenas ao § 3º, ou aos §§ 2º e 3º, mas, sempre afastando a aplicabilidade do § 8º.

O primeiro entrave se inicia com a equivocada impressão de que é só bater o carimbo do § 3º, ou dos §§ 2º e 3º, e tudo se resolve, quando, atrás da cortina, uma situação se apresenta a desafiar solução, sobretudo porque o § 2º só coloca três parâmetros para a fixação dos honorários: o valor da condenação, do proveito econômico obtido, e, como obediente  soldado de reserva, o atualizado da causa.

Então, a Instância Especial devolve ao segundo grau a incumbência, que, muitas vezes, não se ajusta a nenhum desses três parâmetros. A missão, às vezes, lembro o lençol curto, que se  cobre as pernas, deixa a cabeça descoberta e vice-versa.

Alguns cenários me mexeram a cabeça. Um deles, demanda de ente municipal contra a União, visando celebração de convênio para construção de um ginásio de esportes. Valor altíssimo da causa, que, por seu turno, foi resolvida em julgamento antecipado, resultando improcedente. Não se ajusta ao valor da condenação, porque condenação não existe; nem no proveito econômico, porque a ré, vencedora, nada receberá do autor; nem o valor atualizado da causa poderia ser aplicado, por não ultrapassar os critérios estendidos nos incisos do §2º, e, assim, não se materializar a chave para adentrar nos recônditos do § 3º e com base nesse, estabelecer o percentual mínimo ou máximo. Em consequência, tomar esse total para arbitrar dez por cento, ou oito, ou cinco, por exemplo, é decisão que não se reveste de nenhuma justiça, transformando-se num meio de enriquecimento que, apesar de lícito, visto apoio literal na norma, não se traja de qualquer cor de justiça, não devendo o Judiciário gerar decisão que transforme os honorários em prêmio de loteria acumulada, sem se cuidar de loteria.

Outra situação. A execução de débito de enorme vulto que o Judiciário reduz a quantia bem inferior. O devedor, que se torna autor, continua sendo devedor, só que de quantia flagrantemente menor, sem perder o rótulo de devedor. O credor permanece credor, embora de crédito bem inferior, mas não se despe da condição de credor. Como enquadrar no § 2º? O valor da condenação não existe; o do proveito econômico obtido não se torna realidade, porque nenhuma das partes coloca no bolso qualquer numerário. Apenas o devedor vai pagar débito menor, da mesma forma que o credor vai receber crédito menor. E os honorários? E qual parte que pode usar o chapéu de vencedor: o devedor, de débito reduzido? Ou o credor, de crédito diminuído?

Outra situação: a exclusão, em embargos do devedor, de imóvel penhorado, por se constituir ou ser reconhecido como bem de família. O devedor segue devedor, o credor conserva-se como credor, porque a execução não morreu. E os honorários? Se fixados tendo por parâmetro o valor da execução ou o do bem penhorado, uma ou outra solução, há o risco do devedor tomar lucro com o feito, visto que, mesmo sendo devedor, há real probabilidade de tirar proveito do litigio, independentemente de sua condição de devedor e não ser eliminada a execução.

Penso, defendendo em votos recentes – o homem está sendo evoluindo e aprendendo todo dia com a diversidade de situações enfrentadas no seu cotejo com a norma -, que se cuidam de situações que estão completamente fora do espaço dos vinte e dois parágrafos do art. 85, o que gera a liberdade do julgador de arbitrar os honorários sem as amarras de nenhum dispositivo, fixando valor que reflita o panorama vivido no feito. É momento, como no poema de Vinicius de Moraes, de se cavar a terra com os próprios dedos.