Na sua finalidade, os embargos declaratórios se constituem em instrumento apto a corrigir a sentença quando se lhe aponta o pecado da omissão, da contradição, da obscuridade e do erro material. Não vamos nos apegar aos aclaratórios meramente procrastinatórios, os que visam tão só o prequestionamento para fins de admissão de recursos especial/extraordinário, nem aqueles em que o embargante busca rediscutir o mérito da decisão, na tentativa de esticar o feito para ganhar tempo, limitando-se neste último a defender a pretensão, apresentando como bilhete de passagem apenas o nome de omissão, na maioria das vezes. Fiquemos com os embargos de declaração sérios, digamos assim.
Não faz muito tempo, com ironia, escrevi um artigo no qual reconhecia que o juiz era o mais despreparado dos profissionais de direito, porque toda decisão sua apresentava brechas de omissão, obscuridade, contradição e erro material, proporcionando as partes a movimentação de aclaratórios. Só faltei dizer que fosse errar assim na casa da Peste. Tudo inspirado no sem números de embargos declaratórios atacando os julgados, noventa e oito por cento improvido.
No segundo grau, tenho me deparado com aclaratórios diariamente, evitando sempre sair dos seus limites. Fosse transformar cada um numa laranja, seriam necessários um sem fim de sacos para carregar todos eles, porque há sempre um a cada passo dado.
De todos, nesses dezesseis anos de segundo grau, três me despertaram a atenção, ao longo dos tempos e dos debates.
O primeiro, demanda em que servidora movia contra o ente federal buscando indenização por assédio moral, praticada por seu chefe imediato. Sentença favorável em primeiro grau. O recurso caiu nas minhas mãos, época de processo físico, debulhei o feito de ponta a ponta, anotando os mais de cem de documentos que as partes tinham trazido aos autos, retratando a atuação da servidora e os conflitos com a chefia imediata. Reformei a sentença, considerando a autora como servidora problemática, de difícil convivência, criadora de permanente quadro de turbulência. O procurador da autora embargou, aproveitando-se do termo problemática, que transformou em estandarte na reprimenda ao teor do voto, uma metralhadora portátil com capacidade para não deixar nenhum ponto sem ser tocado por seus disparos.
Não me lembro do defeito apontado. Silenciei com relação ao termo condenado, porque não se prendia a nenhum dos combustíveis atinentes aos aclaratórios. Não aceitei o desafio do debate, por não haver lugar para tanto, limitando-se a encarar o defeito apontado, entre os quatro já declinados, sem me lembrar do qual especificamente. Ficou o termo problemática, que tivesse de proferir novo voto, o reiteraria. Esclareço que a autora frequentava sessões de psicólogo, fato que estava bem estampado nos autos.
O outro, ficou pelo tom violento das reprovações chistosas feitas ao meu voto. Uma truculenta saraivada de tapas, murros e pontapés. Nunca recebi tanta porrada na vida de magistrado. Invocando uma conhecida frase, só não fui chamado de santo nem de bonito. Me lembrava os jornais da década de quarenta para baixo do século passado, jornais políticos, grávidos de linguagem rasteira, a sorte de todos das palavras não se transformarem em projéteis de revólver porque senão o resultado seria mais do que trágico, levando em conta que magistrado nenhum sobreviveria a um desses agressivos ataques.
Enfrentei os aclaratórios, estranhando a crítica e a linguagem baixa, acreditando que o embargante tenha errado de arraial, porque o voto embargado estava bem claro, na condenação do embargante, que se dizia proprietário do imóvel penhorado em execução fiscal da Fazenda Nacional, por ter ganho do espólio devedor. De minha parte, destaquei a completa falta de documentação, da aludida doação, do registro desta em cartório e nas declarações anuais relativas ao imposto de rendas, ou seja, se constituía em assertos totalmente despojados de prova material. Em suma, o voto estava bem claro no que tange a rejeição da alegação do embargante. Os aclaratórios, com desaforo e quejandos, foram improvidos.
Outro, resultou em artigos. O procurador do embargante publicou um. Esbravejou, em bem elaborado texto, na ideia central de que a 2ª turma queria ser Deus, porque tinha mudado a cor do céu. A assertiva se dirigia a mim, relator do recurso. Esclareço: explicava a contradição como a afirmativa no julgado de que o céu era azul e o arremate, no final, era de ser amarelo. A conclusão se chocava com os assertos anteriores. O eminente advogado viu sob outro enfoque e desandou em crítica, sem citar nomes. Teve a delicadeza de me enviar um exemplar. Respondi depois: o problema não estava na turma querendo ser Deus, mas do advogado não dominar o direito processual. Não tive a gentileza de lhe enviar um exemplar, embora tenha guardado o seu artigo.
Os aclaratórios desempenham um papel importante, para o fim que foi criado. Negativo é seu uso desordenado, para qualquer situação, o que, infelizmente, lhe desforra da respeitabilidade ostentada. O inocente pagando pelo pecador.