Por Vladimir Souza Carvalho
vladimirsc@trf5.jus.br – magistrado
O valor da causa, apesar da simplicidade ensejada por três artigos, assumiu um aspecto tão importante que o seu diminuto tamanho, alimentado por três artigos, não é capaz de traduzir, mesmo porque a importância não repousa na escolha do valor da causa, que, afinal, obedece a traçados na norma desde o Código de Processo Civil de 1939, mas naquilo que, de positivo ou de negativo, pode causar ante sentença desfavorável a uma das partes, no que se liga, especificamente, ao arbitramento dos honorários sucumbenciais. É aí que o Diabo mora.
O valor da causa, devidamente atualizado, é um dos parâmetros para a fixação dos honorários, caminho que o julgador toma quando não se deixa guiar pelo valor da condenação, ou pelo proveito econômico obtido. Então, o valor atualizado da causa surge como terceira opção, e, por outro lado, a mais prática nesse mister, agasalhada no § 2º, e, transformado em soldado de reserva do § 3º em decorrência do inc. III, do § 4º, tudo do art. 85, do Código de Processo Civil.
Ao tempo em que o legislador cercou os honorários dos percentuais devidos, em um e em outro parágrafo, assentando contundentemente ser direito do advogado e ter natureza alimentar, com os privilégios devidos [§ 14], no caso de vitória de sua demanda, deixou para o dono desta, o representado pelo advogado, o terrível encargo de efetuar o pagamento quando o resultado final da ação lhe for desfavorável. O contraste se revela robusto: se é vencedora, os loiros, digo, os honorários, pertencem ao advogado; se a demanda sagra-se vencida, cabe ao autor ou ré, na condição de derrotado, efetuar o pagamento. O princípio da isonomia não se fez presente, reservando a carne ao advogado do vencedor e o osso ao constituinte do perdedor.
A escolha do valor da causa é função do advogado, obra que o profissional do direito formula de acordo com o bem de vida perseguido. O seu constituinte, que não assina a inicial, pode opinar, mas prevalece a palavra do técnico, e técnico é o advogado, que necessariamente, em geral, só terá seus olhos para o tamanho dos honorários que pode se enfiar em seu bolso, valor que, naturalmente, desde a feitura da inicial lhe balança a cabeça. Esse então o perigo.
Exemplifico com casos que tem passado pelas minhas mãos. Um deles, a demanda busca executar um julgado, proferido por juiz federal sediado na Seção Judiciária de São Paulo, em ação movida pelo Ministério Público Federal contra a União, perseguindo o complemento do depósito relativo ao Fundef. Cópia do julgado, a instruir a ação, se eleva a condição de título judicial, e então, busca-se a execução. Muitas dessas ações papocaram aqui e ali na região nordestina, nenhuma, que seja do meu conhecimento, tendo obtido qualquer sucesso, afinal, a demanda-mãe envolve o Ministério Público Federal e a União, não sendo parte nenhum Município.
Todas essas ações carregaram valores que ultrapassam um milhão de reais, tendo sido, algumas, extintas sem julgamento do mérito, outras com apreciação do mérito, mas sempre improcedente, e, em consequência, o Município condenado em honorários advocatícios em um dos percentuais do § 3º, do art. 85. Calcule uma demanda com valor de vinte ou trinta milhões, o quanto de honorários pode render para o advogado do vencedor?! O problema vai surgir quando ocorre o transito em julgado, e o advogado da parte vencedora executa os honorários. Quem os paga? O advogado que subscreveu a inicial? Não. Quem paga é o Município vencido, e então, na execução, a choradeira de se cuidar de Município pequeno, de recursos ínfimos, vem à tona, argumentos que não carregam nenhuma força para transformar a condenação em confete. O problema está criado, porque, quando nenhum recurso puder ser intentado, o precatório será expedido. Ou o Município paga ou se bloqueia suas contas, sem necessidade de pedir licença ou desculpas. O procurador do ente federal também é gente e sabe que aqueles honorários, em parte, vão para o seu prato. O Município, durante muito tempo, não vai superar a crise que passará a enfrentar.
Pelo exemplo reclama-se cautela, não só com o ingresso de qualquer demanda, como também do perigo que representa o litígio temerário contra o Poder Público, entendido aquele em que, na busca de altos honorários, abre demanda a três por dois, deixando fechado o exemplar do Código de Processo Civil, na parte que trata dos honorários sucumbenciais e recursais, na atração que a perspectiva de mais tarde ser vitorioso, impulsiona seus passos sempre para a frente, embriagado por um prêmio de loteria com o rótulo de honorários sucumbenciais
Os honorários se tornaram o elemento mais importante do Código de Processo Civil. Semanalmente, nas sessões turmárias e ampliadas, a discussão vem à baila. O mérito, como passageiro clandestino, fica escondido. Os honorários tomam a frente. É sempre o centro da sessão.