ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 18:16:06

logoajn1

Brasileiro diz que japoneses não querem olimpíadas na pandemia

Por Wilma Anjos

Às vésperas das Olimpíadas de Tóquio, marcadas para começarem dia 23 de julho, o Japão tem mais de 650 mil casos de Covid-19 desde o início da pandemia, entre eles, pouco mais de 11 mil mortes. O governo garante que o evento vai acontecer, mas pesquisas indicam que a maioria da população desaprova a decisão. Após histórico adiamento de um ano atrás, Tóquio 2020 (o nome foi mantido) inova também na exibição: sem espectadores estrangeiros nas arenas. No país desde 2002, o brasileiro André Nakamoto, de 35 anos, mora em Ōgaki, estado de Gifu e conversou com o Correio de Sergipe sobre o clima das pessoas para as competições. Ele disse que os amigos são contra e que tem muito dinheiro que está parado por causa do adiamento. Ele diz ainda que para ajudar a economia nesse momento de pandemia, cada morador recebeu auxílio equivalente a R$ 5 mil. Confira o bate-papo:

Correio de Sergipe: Como está a expectativa para as Olimpíadas? Você nota receptividade ou desconforto?
André Nakamoto
: Há desconforto, com certeza! Os japoneses são muito precavidos. Não é preciso regras rígidas para eles respeitarem. A realização das Olimpíadas vai totalmente contra o que estão buscando, que é um número baixo de infecções. Não há muita aprovação às Olimpíadas, apesar de não ter muito protesto.  Mas se eu perguntar aos meus amigos japoneses, a maioria será contra. Lógico que tem toda questão econômica, mas é um país estável. Não sei se os japoneses acham benéfico abrir as fronteiras e realizar um evento grande em troca da saúde da população.

CS: O problema é a chegada dos estrangeiros?
AN:
Não só dos estrangeiros, mas como o evento poderia impactar no aumento de casos de Covid. Vi por cima que eles estão querendo realizar os jogos sem público. Eu não acredito que [o problema] seria os estrangeiros, mas a magnitude do evento em si.

CS: Você queria que os jogos fossem cancelados ou adiados?
AN:
Sim! Não há motivos para aglomeração. Eu acredito que possa acontecer do jeito que eu tenha ouvido, apenas transmitido pela TV. É uma situação muito triste. Fui numa loja outro dia e estão vendendo várias camisetas dos patrocinadores, muitas coisas escritas Olimpíadas 2020. O Japão teve uma grande perda! É muito material, muito dinheiro investido que está parado. Eu cheguei a ver ursinhos dos mascotes a preço muito baixo. Dá para ter uma ideia do prejuízo que o país teve e está tendo com o adiamento das Olimpíadas. Acho a realização até importante, mas talvez em pequenos grupos de pessoas ou até mesmo sem auditório.

CS: Soube que aí no Japão tem uma lei proibindo decretar quarentena. Como você fez para se proteger do vírus?
AN: Sim, existe essa lei. Tem a ver com uma história lá de trás do Japão. Falando a verdade, sendo estrangeiro eu sou bem relaxado. Usar máscara no nariz, tirar máscara para falar, para coçar o nariz é uma coisa que não faz muito sentido. Eu me preveni pelo bom senso. Diria que 95% das pessoas nas ruas estão usando máscaras ou evitando sair. Não estão indo para bares, não estão fazendo mais nada. A consciência coletiva do povo japonês faz com que os outros, os mais relaxados como eu, entrem na dança. Talvez não por consciência, mas sim pelo bom senso. Hoje eu não consigo entrar num estabelecimento sem máscara. Não que eu me importe tanto, mas porque todo mundo faz, então é regra. Se não usar, as pessoas te olham de lado, com certeza!

CS : Você já está imunizado?
AN:
Ainda não. Recebi uma carta da prefeitura dizendo que está previsto para o final de maio. A carta é anônima. Tem um código de barras, mas não tem meu nome. Ela pergunta se eu quero receber a vacina e se eu tenho alguma comorbidade. Respondi e devolvi para a prefeitura. Não é obrigatório responder, mas dá para imaginar que a prefeitura quer saber a quantidade de pessoas que querem tomar vacina.

CS: Você está trabalhando home office ou nada ou pouca coisa mudou na sua rotina?
AN:
Não existiu home office aqui. Tem muitas fábricas aqui e elas não pararam. Não mudou nada. Cheguei a folgar algumas segundas-feiras. Não por causa da Covid, mas por falta de serviço. Mas a gente teve que trabalhar no sábado, no final do ano. Para eles não terem que pagar os dias parados em casa, mudaram o calendário para que a gente trabalhasse dias normais em dezembro.

CS: Teve muito desempregado?
AN: Teve muita gente mandada embora e as pessoas tiveram que se reinventar. Esse reinventar significa ser menos ambicioso. A gente quer salário, quer ganhar bem, eu quero ter muita hora extra e chegou num momento que as pessoas não puderam mais escolher. A gente não tem problema com desemprego aqui. Na verdade a gente escolhe muito emprego, mas ultimamente as pessoas não estão podendo escolher.

CS: Você precisou de alguma forma de subsídio do governo?
AN:
Sim. O governo japonês deu uma ajuda de 100 mil Ienes por pessoa, o equivalente a 5 mil Reais. Uma boa ajuda! Não sei como eles conseguiram fazer isso, mas eu recebi. Mas não precisei por necessidade. Eles deram sem perguntar. Não existia classe social. Cada pessoa que morasse dentro de uma casa tinha direito. Se numa família tinha mulher, marido e dois filhos, por exemplo, isso já quadriplicava o valor. Eu recebi, sim, mas não era nem optativo. Na verdade todo mundo tinha direito. Você só precisava ir na prefeitura, preencher um papel e pronto! Recebia na mesma semana.

CS: Digamos que você quisesse vir para o Brasil. Conseguiria  voltar facilmente para o Japão?
AN:
Eu sou de São Paulo, então Guarulhos é o aeroporto que eu desço. Acredito que o problema seja, sim, voltar. O Japão está barrando muita gente, mesmo quem já tem vida aqui, quem tem família. Teve gente que foi passear durante a pandemia e no aeroporto eles foram deportados para o Brasil. Vi lives no Facebook de pessoas que teriam ficado dois dias no aeroporto dormindo no chão, sem comida, sem poder sacar dinheiro, sem poder fazer nada. O Japão pagou a passagem de volta.

CS: Teve algo que o governo japonês fez que você gostaria de ver aqui no Brasil?
AN:
Não sei o governo, mas diria que a população foi muito mais consciente que os brasileiros. Posso dizer que 95% dos japoneses realmente respeitaram as regras. Apesar de nada ser proibido, foi pedido, sugerido que as pessoas não saíssem de casa e muitos respeitaram. Os estabelecimentos também. Durante o estado de emergência, que não é um lockdown, foi pedido aos restaurantes que fechassem às 20h, e todos fecharam. Eu cheguei num barzinho às 19:50 e ficaram todos me olhando de cara feia, tipo, o que você está fazendo aqui? Uma persona non grata! [risos] Eles estão trabalhando, mas não querem que ninguém vá lá. O pedaço mais badalado daqui onde eu moro tem muitos restaurantes, barzinhos e estavam vazios! O Japão é pequeno, dá para ir a restaurante de outro estado. Fui a um que estava vazio e o atendente olhou minha placa e disse: “A gente não está atendendo quem vem de outro estado”. Isso foi um tapa, tipo, “se toca, seja mais consciente!”. O japonês é muito educado, mas ultimamente eles estão bem ásperos. O governo tem pedido, mas quem tem feito acontecer é a população.

Você pode querer ler também