ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 23:43:54

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“Convencer a população a ficar em casa ainda é a grande preocupação”

Por Wilma Anjos

As ações do Ministério Público do Estado de Sergipe (MPE) voltadas à proteção da sociedade durante a pandemia do novo coronavírus, é o assunto central desta entrevista com a  promotora de Justiça Euza Missano, que atualmente atua justamente na Promotoria de Defesa do Consumidor. Ela diz que o MPE tem atuado em várias frentes, por exemplo, em ações para coibir aglomerações, garantir o ressarcimento de serviços interrompidos por conta do isolamento social, assegurar vagas nos leitos de UTI, o cumprimento do Decreto de restrição de circulação no estado, entre outras medidas. Nesta conversa, ela também dá dicas de como não perder direitos durante esse período atípico, e até mesmo sugere como a Prefeitura pode resolver o problema da aglomeração no transporte público de Aracaju, questão crucial na proteção da população sergipana do risco de contaminação. Confira a seguir:

 

CORREIO DE SERGIPE: Há um ano o Ministério Público de Sergipe (MPE-SE) vem batendo na tecla de normalizar o serviço de transporte público durante a pandemia, a fim de evitar aglomerações nos terminais e nos ônibus. Quais os órgãos que o MPE-SE acionou?

Euza Missano: Em abril de 2020 nós ajuizamos a primeira Ação Civil Pública diante da fiscalização feita pelo Ministério Público, acreditando que havia aglomeração nos terminais e também no transporte de consumidores. Nós estávamos ainda iniciando o problema da pandemia. Diante disso, essa Ação foi ajuizada para que houvesse a disponibilidade da frota em 100% circulando, especialmente nos horários de pico. No mês seguinte [maio], houve outro Decreto do município, que limitou a frota inclusive para os finais de semana. Então, em maio, nós ajuizamos a segunda Ação Civil Pública. Ficou assim: em março de 2020 foi ajuizada a primeira Ação, em face da SMTT e de uma das empresas transportadoras, para que houvesse fiscalização efetiva, não houvesse aglomeração e que todos os passageiros só pudessem ser transportados sentados, porque o Decreto dizia daquela forma. Ou seja, atendendo à capacidade e o número de assentos existentes. Só que logo depois o município mudou o Decreto, estendendo a redução da frota também para dias úteis. Nós entramos com a segunda Ação em maio de 2020, dessa vez em face do município de Aracaju. Diante disso, essas Ações continuam em tramitação. Nós conseguimos a liminar, entretanto houve recurso. Nesse recurso, a questão referente à limitação da frota, os efeitos [da liminar] foram suspensos. Permaneceu com a frota reduzida. Apenas foi mantida a questão da fiscalização dos terminais e da condução, disponibilização de álcool em 70% e a higienização de superfície dos terminais e dos ônibus. De lá para cá o Ministério Público vem insistindo por diversas vezes, inclusive com apresentação de petições nos autos, para que haja julgamento antecipado. E agora na última petição apresentamos para que fossem intimadas as partes do processo, no caso a SMTT e a empresa transportadora, para o cumprimento efetivo da liminar, porque existe uma multa estabelecida, e também o não cumprimento da determinação judicial poderá importar em crime de desobediência ou no crime previsto no artigo 268, que é a propagação de doença infecciosa por não cumprimento das normas estabelecidas pelas autoridades sanitárias.

CORREIO DE SERGIPE: E como estão esses processos atualmente na Justiça?

Euza Missano: Os dois processos estão em tramitação. Já estão na fase final, já para julgamento. No primeiro que nós ajuizamos em abril do ano passado, houve a concessão da liminar, mas houve recurso da SMTT e da empresa transportadora e aí os efeitos da liminar foram suspensos, no que diz respeito à limitação da frota, que ficou reduzida em 30%. Mas os outros itens o Tribunal [de Justiça de Sergipe] manteve. Ou seja, fiscalização e higienização.

CORREIO DE SERGIPE: O que o Ministério Público flagrou na última vistoria que fez nos terminais e nos ônibus de Aracaju?

Euza Missano: Nós temos notícia de que de fato as aglomerações subsistem, principalmente nos terminais e dentro dos veículos, mas nos horários de pico. Ou seja, nos horários de maior concentração da população. Aracaju não adotou o sistema de revezamento para o funcionamento do comércio. Então, o que acontece: o comércio abre e encerra todas as atividades no mesmo horário. Isso faz com que a população, principalmente os trabalhadores que precisam e não têm outro meio de locomoção, utilize o transporte público no mesmo horário. Isso acaba formando os bolsões nos horários de maior concentração, ou seja, no início da manhã e no final da tarde. É onde a gente encontra o maior problema no transporte. O ideal seria que a gente pudesse estender esses horários de pico. Se o comércio abrisse em horários diferentes, a gente diluiria o número de trabalhadores ao longo do dia para o deslocamento até o seu local de trabalho. Seria uma opção. Mas como essa medida não foi adotada em Aracaju, o que permanece são essas aglomerações, principalmente nos horários de pico.

CORREIO DE SERGIPE: Até agora a celeuma do efetivo dos ônibus tem sido a maior problemática que o MP enfrenta para coibir aglomerações?

Euza Missano: Não! Tudo é problema! Numa pandemia como esta que vivemos, tudo é problema! Aglomerações, festas clandestinas, descumprimentos das normas estabelecidas pelo estado e município através de Decretos, pessoas que não cumprem efetivamente o distanciamento social, muitas permanecem circulando ainda em espaços públicos sem máscara e até mesmo em espaços fechados. Então, a grande preocupação do Ministério Público nesse período de pandemia é ainda convencer uma parte da população que tem a opção de ficar em casa, mas lamentavelmente continua em exposição, continua aglomerando. Isso tem levado a um alto índice de hospitalização. Num levantamento que o Ministério Público fez recentemente, quase 90% dos pacientes hospitalizados são de Aracaju. A capital tem uma característica diferente. Por isso o MP entende que deveria haver mais restrições aqui em Aracaju. Outra situação que também é posta: a gravidade da doença. Segundo cientistas, esse vírus tem uma maior infectividade, portanto ele tem uma maior gravidade. Se na primeira onda 30% dos pacientes precisavam de intubação, hoje em dia quase 50% dos pacientes que apresentam sintomas graves vão precisar [intubar]. Lamentavelmente estamos com essa problemática.

CORREIO DE SERGIPE: Em quais outras frentes a Promotoria de Defesa do Consumidor vem atuando para salvaguardar o direito do cidadão na pandemia?

Euza Missano: O consumidor foi um dos mais atingidos pela pandemia. Não só por questões relacionadas propriamente à saúde, mas também em contratos. Ainda temos alguns resquícios com relação às escolas, por exemplo. Ou ainda com relação à devolução de valores de contratos de prestações de serviços que não sejam eles culturais e nem de turismo, e sim de eventos sociais, festas. Problemas relacionados à assistência do consumidor de plano de saúde e também da limitação de vagas que temos na rede particular. A nossa taxa de ocupação hospitalar ainda está muito alta. A maioria [dos hospitais particulares] está extrapolando o número de leitos que possui disponível. Já estamos entrando nos leitos de contingenciamento. Isso importa em maior estresse da equipe médica. Problemas já relacionados aos insumos, como, por exemplo, o relaxante muscular, que é importante para intubação do paciente.

CORREIO DE SERGIPE: Como está a situação da ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) particulares do estado?

Euza Missano: Situação gravíssima! A taxa de ocupação hoje de leito exclusivo de UTI de Covid-19 é muito alta. O atendimento está extrapolando o limite, inclusive. Já entramos no contingenciamento de leitos. Na última audiência que fizemos, tínhamos hospitais com pacientes intubados na urgência/emergência. Ou seja, são emergências sendo transformadas em UTI por falta do leito disponível. Felizmente, nós não tivemos ainda denúncia de paciente de hospital privado que teve de ser atendido na rede pública. Mas, de qualquer forma, diante dessa taxa crescente e da gravidade do problema, se não forem adotadas as providências mais efetivas, nós poderemos, inclusive, e este é o temor do Ministério Público, ver esses pacientes que pagam convênio serem encaminhados para o sistema público de saúde, ocupando o leito de um usuário que não tem plano.

CORREIO DE SERGIPE: Em março do ano passado, a Promotoria de Defesa do Consumidor alinhou sua atuação de enfrentamento à Covid-19 junto aos PROCONs estadual e municipal. Qual o resultado dessa aliança?

Euza Missano:  O papel do PROCON, tanto do estado quanto do município, tem sido fundamental. Nós tivemos diversas reuniões, e ainda permanecemos. Temos um grupo [no Whatsapp] onde nos comunicamos quase que diariamente, e isso tem fortalecido muito as ações relacionadas à defesa do consumidor. Fizemos inclusive reuniões conjuntas entre o Ministério Público, a Defensoria Pública, o PROCON estadual e o municipal, apenas para que o consumidor possa se sentir mais seguro, porque ele vai ter suas instituições de garantias dos seus direitos.

CORREIO DE SERGIPE: Algum setor tem abusado constantemente dos preços durante essa crise de saúde mundial?

Euza Missano:  Sim. Nós tivemos algumas denúncias com relação à alta de preços, principalmente na primeira onda da pandemia. Os Procons do estado e do município permanecem em fiscalização, com exigência das notas fiscais das partidas para saber se o produto já foi recebido pelo  distribuidor com valor alterado e, portanto, chegando ao fornecedor com o valor majorado, e que isso não possa representar um lucro excessivo.  Essas questões também são de trato do Ministério Público.

CORREIO DE SERGIPE: Outra polêmica gerada pela pandemia é o cancelamento de voos e pacotes turísticos. Como o consumidor pode assegurar seu direito nesses casos?

Euza Missano:  Exatamente! Essa é uma questão polêmica, que felizmente os consumidores têm conseguido resolver através de tratativas com as próprias agências. Conseguimos resolver através de uma Medida Provisória, transformada em lei, que disciplina de forma muito clara essa matéria. Essas tratativas vêm sendo feitas e por isso nós temos um número muito pequeno de reclamações com relação a essa temática no momento.

CORREIO DE SERGIPE: Que consequência um estabelecimento comercial enfrentará caso seja flagrado descumprindo medidas sanitárias?

Euza Missano: Além das sanções administrativas, poderá incidir em crime previsto no Artigo 268 do Código Penal, que estabelece o não cumprimento de ordens de autoridades sanitárias, destinadas a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

CORREIO DE SERGIPE: O MP tem notícia de algum descumprimento das medidas restritivas adotadas em Sergipe durante os finais de semana? Bares e restaurantes, por acaso, foram flagrados descumprindo o Decreto do estado?

Euza Missano: O Ministério Público fez uma reunião com todo o setor de fiscalização: Polícia Militar, Guarda Municipal, Vigilâncias [Sanitárias] e PROCONs, para tomar conhecimento de um relatório de toda a operação que está sendo feita. Ainda não recebemos o documento destas ações em específico, mas recebemos o relatório do Carnaval. É com base nele que o MP vai abrir procedimento um por um, para que a gente possa instruir os estabelecimentos que descumpriram as restrições, com a probabilidade de representação criminal, inclusive.

CORREIO DE SERGIPE: Por favor, informe à população em que regime está funcionando o Ministério Público Estadual durante a pandemia. Como o cidadão deve proceder para fazer uma denúncia?

Euza Missano: Nesse momento o MP está trabalhando com serviço de Ouvidoria, no telefone 127, e também na versão virtual, na página do Ministério Público na internet [www.mpse.mp.br]. Qualquer pessoa pode entrar no site do MP e lá vai ter o link da Ouvidoria, onde é possível fazer a sua reclamação e não precisa se identificar. O cidadão pode pedir sigilo. O ouvidor vai distribuir as demandas de acordo com o teor da denúncia, para as Promotorias respectivas. Estamos fazendo todas as audiências extrajudiciais de forma virtual. Houve um acréscimo na ordem de 800 procedimentos ativos instaurados na primeira onda [da pandemia], e já houve solução ou ajuizamento de ação para a maioria. É realmente um ritmo bem ativo da Promotoria de Defesa do Consumidor porque, volto a dizer, o consumidor foi um dos mais atingidos pela força maior da pandemia. Porque foi atingido duramente na saúde e também nos contratos.

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