ARACAJU/SE, 27 de abril de 2024 , 0:34:27

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Jornalista de SE ganha o mundo com projeto de moda inclusiva

Por Wilma Anjos

Graduada em Jornalismo, com especialização em Comunicação Jornalística, Heloisa Rocha tem se destacado não só no cargo de redatora que ocupa na rádio Rádio Gazeta Online, mas também por seu projeto pessoal de moda inclusiva, o Instablog Moda Em Rodas. Sergipana radicada em São Paulo, Heloisa é portadora da osteogênese imperfeita, ou ossos de vidro, como também é chamada esta condição física rara e hereditária. Nem por isso ela esmoreceu no primeiro dos vários obstáculos que precisou enfrentar e hoje ostenta o posto de referência nacional em moda. Seu destaque foi reconhecido nacional e internacionalmente, sobretudo por suas coberturas na São Paulo Fashion Week. Tivemos um papo descontraído sobre sua rotina e trajetória de vida e Heloisa nos revela quais seus planos e ao final ela deixa uma mensagem de incentivo para quem luta por seus sonhos. Confira:

 

Correio de Sergipe: Há quanto tempo você mora em São Paulo e por que tomou essa decisão?
Heloisa Rocha:
Moro em São Paulo há mais ou menos 13 anos. O motivo inicial era dar continuidade aos meus estudos e depois retornar para Aracaju com o mestrado concluído, já que eu tinha acabado de concluir a graduação em Jornalismo pela Universidade Tiradentes. Iniciei uma pós-graduação em Comunicação Jornalística pela Faculdade Cásper Líbero, mas, felizmente, nove meses depois da minha chegada fui contratada como redatora da Rádio Gazeta Online, extinta Rádio Gazeta AM e dirigida atualmente pela Faculdade Cásper Líbero. Permaneço até hoje na emissora e sou responsável pelo site e redes sociais, além de contribuir, por meio de orientações, na formação prática dos estudantes de comunicação da faculdade.

CS: Muitos devem perguntar a mesma coisa, mas você pode falar um pouco sobre a osteogênese? Tem ideia do percentual de pessoas com essa condição no mundo?
HR: A osteogênese imperfeita é uma doença rara, genética e hereditária. Por ser rara, não tenho como dizer quantas pessoas existem com a mesma condição no Brasil e no mundo. O que posso dizer é que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, uma doença só é caracterizada rara quando afeta 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Além disso, ela é dividida em alguns tipos e eu possuo o III, que é considerado um dos mais graves. A principal característica da osteogênese imperfeita é a fragilidade óssea e, por esta razão, ela é chamada de ossos de vidro ou ossos de cristal. Por conta disso tive inúmeras fraturas ao longo da vida, incluindo o período em que estava no útero da minha mãe. Por este motivo os meus membros superiores e inferiores são encurvados e preciso de uma cadeira de rodas para me locomover. Outras características físicas que possuo são a baixa estatura, o rosto em formato triangular, dentinogênese e a esclerótica do olho azulado. Vale ressaltar que, com exceção da fragilidade óssea, nem todas essas [características] são detectadas em todos os indivíduos com osteogênese imperfeita.

CS: Você declarou uma vez que vê em sua condição um diferencial estratégico e não uma barreira. Explique melhor seu ponto de vista.
HR:
Quis dizer que se eu não tivesse nascido com uma deficiência, eu jamais teria criado o Moda Em Rodas e nem estaria contando um pouco sobre a minha vida e o projeto nesta matéria. Em resumo, eu quis dizer que nós, pessoas com ou sem deficiência, temos que utilizar ao nosso favor até mesmo aqueles pontos que acreditamos ser desfavoráveis a nós mesmos. Ter nascido com uma deficiência física certamente me impediu de fazer muita coisa, mas, por outro lado, nunca foi um empecilho de viver e de certo modo me ajudou a abrir portas para que eu me destacasse em ambientes que, infelizmente, são ocupados somente por pessoas sem deficiência. Mas, claro, isso tudo aconteceu porque eu fui criada em um lar que sempre me motivou a ir além e por ter uma autoestima extremamente elevada.

CS: Por falar no Moda Em Rodas, como surgiu a ideia?
HR: Surgiu de uma inquietação de criar um projeto próprio, mas que beneficiasse e impactasse de alguma forma o mundo. Antes de 2015, ano em que o Moda Em Rodas foi lançado, eu era responsável pelas produções de moda na Rádio Gazeta Online e naquele período cobria quase todas as edições da São Paulo Fashion Week. Apesar de ter sido sempre uma mulher muito vaidosa, o trabalho na emissora fez com que eu me interessasse cada vez mais pelo assunto. Buscando ideias, notei que outras mulheres com deficiência me abordavam em minhas redes sociais pedindo dicas de moda e/ou querendo saber onde havia adquirido determinada roupa ou calçado. A partir daí eu fiz uma busca na Internet e percebi que na época existiam poucas mulheres com deficiência que traziam dicas de moda e looks do dia. No dia 14 de outubro de 2015 surgiu o Moda Em Rodas! Inicialmente eu só apresentava meus looks do dia, mas com o passar do tempo o projeto cresceu, e atualmente é fundamentado em três pilares: moda inclusiva, resgate da autoestima feminina, especialmente o da mulher com deficiência e a promoção de um novo olhar da pessoa com deficiência na mídia.

CS: O Moda Em Rodas já está com mais de sete mil seguidores. Era para ser só um hobby, mas virou profissão, então?
HR: Na realidade, o Moda Em Rodas virou uma empresa! (risos) Quando eu iniciei o projeto, eu sabia que tinha potencial e um público carente de representatividade na moda, já que, segundo o IBGE, representamos 6,7% da população nacional. Quando comecei, não tinha ideia do significado e da importância do design universal e nem dos pilares sociais que a iniciativa faria com que eu trabalhasse e me destacasse tanto nacionalmente, quanto em outros países. É verdade que eu não conquistei tudo isso da noite para o dia. São cinco anos trabalhando dia e noite com novos conteúdos e looks e atendendo todos aqueles que querem entender mais este nicho da moda e o Moda Em Rodas, além, claro, de estudar bastante sobre outros nichos da moda e questões sociais. O Moda Em Rodas se transformou em algo que foi além do que eu idealizei quando criei e, de coração, espero um dia poder me dedicar 100% a ele e atingir o maior número de pessoas no mundo. Por fim, o Moda Em Rodas me abriu portas para que eu conhecesse novas aptidões, como modelo, empresária, palestrante e educadora. E todas essas habilidades se transformaram em profissões!

CS: Por enquanto está conciliando o Jornalismo com o seu Instablog?
HR: Continuo trabalhando como redatora da Rádio Gazeta Online. Com o Moda Em Rodas o meu trabalho como Jornalista também não foi deixado de lado, já que desde fevereiro do ano passado eu apresento e produzo semanalmente um podcast homônimo que traz a moda e a beleza inclusiva como temas centrais. Produzido e veiculado pela produtora Bossa 9. Todo o material fica disponível nas principais plataformas de podcast e no YouTube, com legendas em português para que o público surdo possa ter acesso.

CS: Resumo da ópera: você é Jornalista, influencer digital e modelo também, correto?
HR: Na realidade, a minha profissão é e sempre será a de Jornalista, mas com o Moda Em Rodas me considero mais como uma produtora de conteúdo e defensora da expansão da moda inclusiva no Brasil, além de especialista sobre este nicho da moda. Sobre ser modelo, surgiu um convite por acaso e o primeiro trabalho que fiz foi para a extinta Livanz, da saudosa Denise Gonçalves. Desse trabalho eu tive a oportunidade de estampar um editorial em Niterói (RJ) e depois outros trabalhos foram surgindo. Como modelo eu já trabalhei para Equal Moda Inclusiva, Leppé, Suvinil, Santa Clara e Oreo, além de ter participado de um ensaio fotográfico para o Senac Moda Info, evento de moda promovido pela Senac Lapa Faustolo. Todas as experiências foram incríveis e me fizeram valorizar ainda mais a profissão, que até pouco tempo atrás eu acreditava que era um trabalho 100% glamoroso e nada cansativo. Eu me considero ainda uma modelo aspirante e não tenho pretensão de seguir essa carreira. O trabalho de modelo para mim tem sido mais uma consequência das ações que promovo com o Moda Em Rodas do que uma atividade primordial.

CS: O Brasil ainda desconhece muito as causas das pessoas com deficiência física. O que você gostaria de esclarecer que ajudaria no seu dia a dia?
HR: Na minha opinião, o Brasil conhece muito pouco da realidade das pessoas com todos os tipos de deficiência. Prova disso é que nos deparamos diariamente com barreiras arquitetônicas, atitudinais e digitais, já que, de acordo com um levantamento do Movimento Web realizado no ano passado, menos de 1% dos sites brasileiros são considerados 100% acessíveis. Há muitas coisas a serem esclarecidas sobre nós, mas eu gostaria de pedir à sociedade que parasse de dizer que somos “especiais”, seres dignos de “pena” ou “compaixão” e/ou “exemplos de vida e/ou de superação”. Uma cadeira de rodas, um andador, uma bengala e/ou um aparelho auditivo são apenas ferramentas que nos auxiliam em nosso dia a dia da mesma forma que uma pessoa usa óculos de grau para enxergar melhor, e isso não faz ninguém ser melhor, diferente ou especial que outro. Em resumo, nos tratem por nossos nomes e nossas ações e não por nossas deficiências!

CS: Nessa estada em São Paulo, que trabalhos mais te marcaram? Foi tranquilo se inserir no mercado de trabalho?
HR: São Paulo me abriu oportunidades de frequentar lugares e viver experiências profissionais que eu jamais imaginei que aconteceriam na minha vida, como palestrar em três importantes eventos nacionais de moda (Fashion Revolution Brasil, Pop Plus e Brasil Eco Fashion Week), ser jurada do 9º Concurso Internacional de Moda Inclusiva e de levar o nome Moda Em Rodas para todas as regiões do Brasil e até mesmo para Milão, na Itália. Dois grandes destaques pessoais foram eu ter sido uma das 66 mulheres a ter suas vidas e projetos contados na Revista Cláudia, em 2020, na edição comemorativa de março ao mês em que se celebra o Dia da Mulher, e de ter sido convidada a trabalhar na reformulação comunicacional da última edição do Teleton.

Sobre a minha inserção no mercado de trabalho, o início não foi fácil nem em Aracaju e nem em São Paulo. Infelizmente, nem todas as áreas estão abertas a receber profissionais com deficiência, especialmente as graves. Você já viu um Jornalista com deficiência apresentar um telejornal? Antes de ser chamada para trabalhar na Rádio Gazeta Online eu me inscrevi para trabalhar em um grande banco nacional e na época fui chamada para uma entrevista de emprego. Neste dia, eu e um grupo de mais ou menos 20 pessoas com deficiência fomos avaliados, individual e coletivamente, por horas. Ao final, com exceção de mim, todos saíram com uma indicação para trabalhar numa agência e a empresa de RH, especializada em contratar pessoas com deficiência, alegou que meu currículo era muito bom para as vagas que eles tinham. Vale destacar que deste grupo eu era a única com nível superior e o domínio de uma língua estrangeira, porém a que tinha a deficiência mais grave e visível. Ou seja, as empresas ainda avaliam o profissional com deficiência por sua limitação física, auditiva, visual ou intelectual, mas não por seu currículo. Felizmente, pouco tempo depois, eu tomei conhecimento em uma das aulas da pós que a Faculdade Cásper Líbero tinha um órgão laboratorial de rádio aberta a todos os estudantes, incluindo do lato e do stricto sensu. Fui até lá com a intenção de aprender na prática o ofício e ampliar minha rede de contatos. Na época, meu antigo chefe me ofereceu a oportunidade de cobrir voluntariamente o Teleton. Aceitei o desafio e dei o melhor de mim sem saber que ele estava me avaliando. Na semana seguinte ele me ofereceu a vaga de redatora que a emissora tinha aberto há poucos dias.

CS: Planeja um dia retornar para Sergipe?
HR: Tenho grandes amigos em Sergipe e pelo menos uma vez por ano vou visitá-los e matar a saudade da minha terra natal. Felizmente hoje eu estou realizada profissionalmente em São Paulo e criei um bom círculo social na capital paulista. Não tenho perspectivas no momento de voltar a morar em Aracaju. Porém, acho que é possível um retorno quando chegar o momento da aposentadoria. Mas são apenas possibilidades e não há nada de concreto se retornarei ou não para Sergipe. O futuro dirá! (risos)

CS: Que mensagem você deixa para quem tem medo de tentar seus sonhos?
HR: A vida é muita curta para colocarmos nossos medos e inseguranças em primeiro plano. Com planejamento, foco e persistência é possível tornar os sonhos em realidade. Se não acontecer exatamente como planejado, pelo menos você jamais se lamentará de não ter tentado. Ah, por fim, se barreiras surgirem, é importante não se desesperar e, com racionalidade, analisar se o caminho que está tomando é o mais adequado. Até em nossos sonhos os ajustes são necessários!

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