ARACAJU/SE, 24 de abril de 2024 , 17:52:21

logoajn1

1894

Na alvorada republicana houve muitas crises e elas reverberaram na relação entre o Executivo e o Judiciário e na sua mediação pelo Legislativo. Primeiramente como chefe do governo provisório, depois como presidente eleito indiretamente, o marechal Deodoro da Fonseca, inepto para a missão inédita, não conseguia administrar o país. Reclamava por mais poderes, o que a Constituição de 1891 lhe recusava. Sem condições de os empunhar licitamente, tentou a ditadura, com o fechamento do Congresso e a decretação de um estado de sítio. Houve resistência, em especial da Marinha, que ameaçou bombardear o Rio de Janeiro. Perdeu a queda de braço. Renunciou. Assumiu o seu vice, o também marechal Floriano Peixoto. Este deveria promover novas eleições, mas deu um autogolpe, permanecendo na presidência mesmo contra as disposições constitucionais.

Nem todos aceitaram. O país, por esse e por outros motivos, estava tomado por revoltas e o governo administrava à força, também sob estado de sítio. O Supremo Tribunal Federal, instituição novíssima, criada à semelhança da Suprema Corte dos Estados Unidos, examinava medidas adotadas sob a situação de exceção, e, eventualmente, concedia habeas corpus em favor de desafetos presidenciais. A tensão subia gradativamente. Floriano passou a buscar figuras leais à sua pessoa para compor o STF. Isso ensejou reações políticas.

Cândido Barata Ribeiro, abolicionista e republicano histórico, professor de medicina, político eminente, administrou o Distrito Federal de dezembro de 1892 até maio de 1893, quando foi rejeitado pelo Senado, que tinha a atribuição de validar essas nomeações. Apesar disso, em 23 de outubro do mesmo ano, Floriano novamente o designou, desta vez para o STF. O indicado tomou posse como magistrado em novembro, mas aguardava, na forma permitida então, ser ratificado no âmbito parlamentar. No entanto, a Comissão de Justiça e Legislação emitiu parecer no qual o repeliu também para esse posto. Em 24 de setembro de 1894, em sessão secreta, foi deliberada a recusa, por 27 x 4. Conquanto a Constituição exigisse “notável saber”, o Senado interpretou que havia, para o cargo, uma referência implícita a “saber jurídico”: um médico não poderia ter assento no Supremo. Ele foi ministro por 10 meses e 4 dias, antes de perder a toga.

Caso raro, mas não único. Quatro dias antes da rejeição de Barata Ribeiro, Floriano nomeara seis outros membros do STF. Um deles foi o general (e bacharel em Direito) Innocêncio Galvão de Queiroz, importante militar que atuara na Revolta Federalista, especialmente na busca por uma saída negociada. Tal como o mencionado médico, pelo mesmo fundamento, foi rejeitado. Apesar de graduado juridicamente, ter feito carreira castrense excluiu a sua aceitação.

Outro caso de reprovação dessa leva foi o de Antônio Caetano Seve Navarro. Diferentemente dos outros dois enjeitados anteriores, viveu o foro: era subprocurador da República. Os motivos da sua objeção não são claros, mas a suspeita histórica recai sobre o fato de que ele advogaria, privadamente, no mesmo órgão no qual atuava como subprocurador. Em 1895, porém, Navarro conseguiu lugar no Superior Tribunal Militar, o que deixou os fundamentos de sua desaprovação ainda mais enevoados e reforçou a natureza discricionária das opções senatoriais.

Floriano, apesar dos revezes, era insistente. Em 15 de outubro daquele mesmo 1894, perto do final do seu mandato, indicou Francisco Raymundo Ewerton Quadros, Demosthenes da Silveira Lobo, Americo Braziliense de Almeida Mello, Fernando Luiz Osório, e Américo Lobo Pereira, para o STF. Em 17 de novembro, após debates renhidos, foram aprovadas as nomeações dos três últimos. Foram rejeitadas as de Ewerton Quadros, general, e Demosthenes Lobo, coronel e bacharel, que administrava os Correios. Quanto ao último, houve acusações que pesaram sobre a sua reputação.

Desde então, apesar de algumas aprovações mais apertadas do que outras, nunca mais houve rejeição de indicado. O rito vigente, entretanto, continua quase igual ao vigorante em 1894. Diferem, apenas, porque, agora, o Senado se pronuncia antes da posse do indicado e existe uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça. 

No presente instante, também inçado de crises institucionais, André Mendonça, que foi ministro da Justiça e Advogado-Geral da União, espera que seu nome seja analisado pelo Senado. O presidente da CCJ, senador David Alcolumbre, no entanto, não pautou a respectiva sabatina, em resistência à sua designação. Por isso, alguns parlamentares aforaram um mandado de segurança para exigir a realização de tal sessão (MS 38.216). Aguarda-se a posição do Supremo sobre a possibilidade de se impor tal análise à CCJ. Será um precedente importante, pois pode impactar na ideia de repartição de atribuições entre os poderes. Fica a dúvida se, caso concedida a ordem, seria possível expandir o precedente para exigir do próprio STF, por exemplo, que paute um processo. O poder de agendar contém o de decidir.