Ainda que, como dogma, a verdade de fé do trânsito de Maria em corpo e alma para o Céu tenha sido proclamada no ano de 1950 pelo Papa Pio XII, no coração da Igreja – que, nos primeiros cristãos, testemunhou o fato mesmo – e na fé simples do povo fiel a certeza desta verdade sempre existiu, desde aquele gaudioso dia. Prova disto é a quantidade de textos que, ao longo dos séculos, os santos e os teólogos produziram, elucidando-nos acerca deste conteúdo.
Neste sentido, aproveito a ocasião para trazer à nossa reflexão um sermão de Pascásio Radberto, monge francês do século IX, que comenta, por ocasião da celebração da Solenidade da Assunção de Nossa Senhora: “Celebramos hoje, amadíssimos irmãos, a gloriosa festividade da bem-aventurada Virgem Maria, festa cheia de gozo e repleta de dons imensos por sua assunção aos céus. Solenidade ilustre por seus méritos, mas muito mais ilustre pela graça com que é ornada não só a mesma santíssima Virgem, mas também, e por seu meio, toda a Igreja de Cristo” (Sermo 3). Logo, a primeira lição que já abstraímos destas palavras: celebrando a Assunção da Beatíssima Virgem, a Igreja contempla a glória de Deus que lhe está reservada, ao que, de antemão, recebe esta mesma glória no seu membro mais eminente depois de Cristo: Maria Santíssima, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja.
Mas, por que Maria foi assunta? O Papa Pio XII, na Constituição Apostólica Munificentíssimus Deus, com a qual esclarece, magisterialmente, acerca da Assunção de Nossa Senhora, diz-nos que isto aconteceu “Para que mais plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte” (n. 40), para tanto, “foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo” (Ibidem). E, o Venerável Pio XII, recorrendo a um pensamento de São João Damasceno, do distante século IV, continua falando da grande motivação da assunção: “Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. Convinha que morasse no tálamo celestial aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu o seu Filho na cruz, com o coração traspassado por uma espada de dor de que tinha sido imune no parto, contemplasse assentada à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus” (Encomium in Dormitionem Dei Genetricis semperque Virginis Mariae, hom. II, 14). Logo, em Maria, enquanto criatura – a mais sublime –, realiza-se o que dissera o Seu Filho e Deus nas Bem-Aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!” (Mt 5,8); e o que a mesma Senhora, profeticamente, entoou no Magnificat: o Senhor elevou os humildes (cf. Lc 1,52).
Maria foi elevada aos céus pelo Senhor que, olhando a Sua serva, Se encantou com a sua beleza. Beleza, não apenas no sentido estético, mas, sobretudo, entendamo-la a pureza que Maria, ajudada pela divina graça, conservou em seu coração imaculado. Não é por acaso que a Igreja – Virgem, Esposa e Mãe –, contemplando Nossa Senhora como seu tipo (como aquilo que é chamada a ser), sabe entoar, louvando-a: “Tota pulchra es, Maria! / Et macula originalis non est in te. / Tu glória Jerusalem; / Tu lætítia Israel. / Tu honorificentia populi nostri!” (Toda bela és, Maria! E, em ti, não há mancha do pecado original. Tu, glória de Jerusalém (ou seja: da Igreja); tu, alegria de Israel; tu, honra do nosso povo!”.
Beleza e pureza que são manifestadas pelo coração virginal daquela que, diante de Deus, nos representa no que somos, enquanto intercessora, e do que seremos, enquanto gloriosa, com uma glorificação dada pelo Senhor, por causa dos méritos de Cristo. Sim, porque tudo o que podemos dizer da Mãe só o fazemos por causa do Filho. E mais uma vez São Pascásio Radberto: “[…] a gloriosa virgindade não só ganhou a graça por causa de seus méritos, mas, em virtude da graça, recebeu o prêmio dos seus méritos. […] Hoje subiu ao céu chamada por Deus, e recebeu da mão do Senhor, junto com a palma da virgindade, a coroa que não esvanece. Hoje foi acolhida e sentada no trono do reino. Hoje entrou no tálamo nupcial, porque foi simultaneamente virgem e esposa. Hoje, na verdade, tem escutado a acariciadora voz do que lhe dizia desde a sua sede: Vem, amada minha, e te porei sobre meu trono, pois enamorado está o rei de tua beleza. Ante tal convite, estamos convencidos de que, gozosa e exultante, desligou-se aquela ditosa alma e se dirigiu ao encontro do Senhor, e ali ela mesma se tornou trono, ela que, na carne, tinha sido templo da divindade. Tanto mais bela e sublime do que os demais, quanto mais refulgente brilhou pela graça” (Op. Cit.).
Pela sua perfeita e indissolúvel união com Deus, percorrendo todo o mistério da vida de Cristo neste mundo: de Nazaré a Belém, de Belém ao Egito, de Cafarnaum a Jerusalém, da Cruz à Ascensão, passando pela Ressurreição, esteve Maria presente na vida do Filho, acompanhando-O. Que prêmio, senão a glorificação singular e eterna, não estaria reservada a ela?! Deus, sabendo o que faz, surpreendendo, elevou Maria, entronizando no seio trinitário àquela que, por primeiro, O entronizou no seu coração e no seu seio imaculados. Quanto mistério!