ARACAJU/SE, 16 de abril de 2024 , 6:00:29

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A biblioteca assassinada

Os livros estavam lá, arrumados em estantes, na sala, no térreo do sobrado, onde por muitos anos funcionou o Cartório de seu Ferreirinha, na Rua do Sol.  E para lá eu ia, com certa frequência, aquele mundo de livros à minha disposição, a boa conversa de Valnery, que tomava conta da biblioteca, ou seja, da biblioteca do padre, porque tudo da Igreja era do padre, ou, pelo menos, era assim que chamávamos: cinema do padre, biblioteca do padre, etc. e etc. A grande vantagem, além dos livros, era da biblioteca ficar na mesma rua onde eu morava.

Aconteceu de Valnery arranjar uma colocação em um banco, não podendo mais abrir as portas da biblioteca. Eu, perdendo a viagem, biblioteca fechada, fui a casa do padre, na  mesma rua, saber se a biblioteca não ia mais abrir as portas, padre Artur respondeu que sim e me entregou a chave. Doravante, a chave ficaria comigo, e, então, à míngua de qualquer remuneração, entabulei pedido: queria uma permanente para entrar de graça no Cine Santo Antonio, isto é, o cinema do padre. Ganhei. Eu mesmo datilografei, e, com ela passei a usufruir da entrada gratuita. A permanente, guardei, conservada em álbum especial. Uma relíquia.

Então, passei a conviver com os livros, a preferência recaindo nos romances, Machado, Alencar, Joaquim Macedo, José Mauro de Vasconcelos, Sartre,  Exupery, e tantos outros, descobrindo as crônicas de Humberto de Campos, os romances do Clube do Livro, os livros do Movimento Cultural de Sergipe, e, mercê de minha influência, muita gente leu A tragédia do jovem Werther, de (Johann Wolfgang  Von) Goethee, para que as lágrimas, vertidas no final da leitura, não fossem só um privilégio meu.

A biblioteca ficou para trás quando me mudei para Aracaju a fim de cursar o clássico. Durante muitos anos, tive sonhos de trafegar entre as suas estantes, a procura de um romance para ler. Depois, os sonhos passaram a ser com mangueiras carregadas de mangas, na dúvida da qual  mereceria o sacrifício de minha guloseima, sonhos alternados com os pesadelos de fazer prova na Faculdade de Direito sem saber nem qual era a matéria nem os pontos. E a biblioteca do padre? O que dela fizeram? Tiraram, aos poucos, de circulação, até que foi esquecida. Não por mim, nem pelos poucos que dela ainda se lembram a condenar sempre os responsáveis