ARACAJU/SE, 20 de abril de 2024 , 11:20:52

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A junção dos Ministérios Públicos

Tenho me deparado, no exercício da judicatura de segundo grau, com ações civis públicas nas quais a inicial traz a assinatura do Ministério Público Federal e do Estadual. A junção de forças, muitas vezes, à primeira vista, pode conduzir ao realce da importância da matéria ali tratada. Vejo como forma de conduzir o feito ao Juízo Federal, como se a presença do primeiro fosse suficiente para caracterizar a competência da Justiça Federal, desprezando-se o fundamental requisito do interesse jurídico federal na causa.
O importante é ressaltar que cada Ministério Público peticiona no seu juízo próprio. Desconheço qualquer norma que permita o federal ajuizar demanda no Juízo Estadual, e o estadual movê-la no Federal. Aliás, o fato dispensa norma, por saltar evidente que, em ação civil pública, da alçada da Justiça Federal, não pode ter o patrocínio do Ministério Público Estadual, sendo indevida a sua participação, sob qualquer trajo processual, porque não há lugar para o Promotor de Justiça no Juízo Federal, como não há para o Procurador da República no Estadual.
Se o feito é da minha relatoria, mando excluir o Ministério Público Estadual da autuação. Se não me é distribuído, mas é da turma, da qual integro, a experiência e a reiteração de casos me fazem destacá-lo. A insurgência se prende a indevida presença do Ministério Público Estadual no feito, concluindo o voto na determinação de sua exclusão e retirada de seu nome na distribuição e autuação.
A exclusão é didática ao destacar o fato, para deixar bem claro que essa indevida união de forças representa, em nível meramente processual, em um mal que deve ser cortado na raiz, a fim de evitar sua repetição adiante e, nesse passo, acentuar que o Promotor Público não pode mover demandas no juízo federal, o mesmo dizendo com relação ao Procurador da República na Justiça Estadual.
Salvo engano de memória, foi uma ação dessas, oriundas da Seção Judiciária de Sergipe, que  me chamou a atenção. Os dois Ministérios Públicos se uniram em ação civil pública para compelir uma fundação hospitalar a passar a integrar o Estado de Sergipe. Me recordo bem porque nem a fundação hospitalar queria, nem o Estado. Só os dois Ministérios Públicos e o magistrado desejavam, o que me levou a conceber uma situação na qual os noivos repeliam a idéia de se casar e o Ministério Público e o juiz forçavam o casório.
Fui despertado para o fato quando, com vistas para os autores se manifestarem sobre algo, o Ministério Público Estadual reclamou que precisava que lhe enviassem o processo, e, meu gabinete, sem ter me consultado, fez a remessa. No retorno, autos conclusos, mandei riscar o nome do Ministério Publico Estadual da autuação, ordenando que, doravante, a intimação da parte autora se limitasse ao Ministério Público Federal, seu verdadeiro titular, e único autorizado a peticionar no Juízo Federal.
Agora, no exercício da presidência, me deparei com pedido de suspensão de decisão de primeiro grau, tendo por objeto descumprimento de requisitos para abertura do comércio e afins, no qual não era só a dupla de Ministério Público Federal e Estadual, mas, também, contava com a participação do Ministério Público do Trabalho, na formação de um indevido trio. A limitação da decisão, circunscrita ao exame de requisitos acoplados ao art. 4º, da Lei 8.437, de 1992, não me permitiram mandar ficar na lide – que corria no primeiro grau –  apenas o Ministério Público Federal. A matéria fugia dos contornos reservados ao presidente de tribunal na suspensão de decisão judicial. Ora, reitere-se: no juízo estadual, o Ministério Público Estadual; no juízo federal, o Ministério Público Federal; no juízo do trabalho, o Ministério Público do Trabalho. Extra autos, pode ocorrer à junção, o acompanhamento por dois ou por três, ou, por mais. Mas, peticionar, participar do feito como autor ou como réu, jamais.
A inicial, assinada por representantes de três Ministérios Públicos, evidencia a necessidade de se estar atento, no juízo natural, a tal aspecto, a fim de impedir que, mais cedo ou mais tarde, um deles se considere autorizado a movimentar sozinho ação em juízo que não lhe diz respeito, ensejando, assim, uma enxurrada de demandas contendo, desde o nascedouro, o mesmo pecado original.
Da mesma forma que se apregoa, na sabedoria popular, que cada macaco deve ficar em seu galho, também, no meio forense, a assertiva de cada Ministério Público em seu juízo próprio, com a extinção dessas parcerias a afrontar a competência do juízo escolhido, afinal  todo caminho é ditado pela lei e, além da lei, só escuridão.

Membro da Academia de Letras Jurídicas de Sergipe.