“Cantai, cristãos, afinal: / ‘Salve, ó vítima pascal!’ / Cordeiro inocente, o Cristo / abriu-nos do Pai o aprisco”.
Com esta primeira estrofe da Sequência de Páscoa, temos o júbilo do povo cristão que, não somente uma vez por ano pelo calendário litúrgico, mas quotidianamente, celebra a Páscoa redentora de Jesus, inolvidando-se de sua libertação do poder do pecado e da morte, rumo à eterna amizade com Deus.
Páscoa é, em hebraico, ‘passagem’ (pessach). Só se pode passar por uma realidade desobstruída, aberta. Muito melhor do que o povo hebreu que teve a passagem do Mar Vermelho aberta rumo à Terra Prometida, Canaã, chamada pela alcunha de correr “leite e mel” (cf. Ex 3,8 et ali), temos um portal infinitamente superior: o do Ressuscitado. Se, para o antigo povo, após a passagem pelo Mar Vermelho, depararam-se eles com o deserto, nós, ao contrário, após o deserto deste mundo deparamo-nos com a abertura que, pela morte em Cristo, nos faz passar para a vida. Porém, pelo mistério da fé pascal, também percebemos que, simultaneamente ao que atravessamos o deserto do mundo, não estamos abandonados à nossa própria sorte. Adentramos, de maneira constante, ainda que como num rápido rapto, na Páscoa do Senhor pela Sagrada Liturgia, graças à vivência celebrativa da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo em cada Eucaristia, imensurável portal aberto para que o rebanho de Cristo, ainda transeunte, adentre e, antecipadamente, deguste da vida plena que, em mistério, já lhe é garantia; porque, rompido o véu do Templo (cf. Mt 27,51), abriu-se-nos o aprisco do Pai (cf. Jo 10,1-9).
Só e constantemente atravessa as portas da imortalidade, passando por ela, quem está inconformado com este mundo, desinstalado portanto. Neste sentido, São Paulo, não apenas à Igreja de Colossos, mas a todos os cristãos, ordena-nos uma abertura interior do coração chamada aspiração, que prescinde de um esforço: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Cl 3,1-2). Sendo um povo pascal, contamos com a força do Alto para subir as escarpas celestes, já que a vida divina, pela Ressurreição do Senhor, se esconde em nós ao que, a pari passu, escondemos a nossa vida na vida do próprio Deus.
Ter o coração aberto é estar atentos aos sinais da ação do Ressuscitado. Maria Madalena, Simão Pedro e João viram o sepulcro aberto, o que ele queria dizer e acreditaram. Já os discípulos de Emaús, pelo medo, estavam com os olhos da fé, com a visão do coração, fechados e não se deram conta das pistas da Ressurreição; muito pelo contrário: duvidaram do que viram as mulheres e alguns do grupo do discípulos. Desperdiçaram a mensagem do túmulo que foi aberto. Mas, bastou um momento de intimidade à mesa onde o pão do próprio Ressuscitado foi por Ele partido, “os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus” (Lc 24,16). E mais: abriram a voz do testemunho porque, antes, se abriram, ainda que tardiamente, Àquele que abriu-nos os umbrais da eternidade, arrombando as portas da morte que prendiam a miserável prole de Adão, quebrando os seus ferrolhos.
Eis a Páscoa, a nossa festa! Não apenas a da vitória do Senhor Jesus Cristo, que passou da morte para a vida, mas, com ela, a da nossa passagem, porque, para nós, “está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado […] desde toda a eternidade” (De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo, século IV). Ao Vencedor do pecado e da morte todo o poder e força pela eternidade sem fim. Amém.