ARACAJU/SE, 20 de abril de 2024 , 3:56:30

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A porta da loja 20

Acredito que poucos saibam, mas o G. Barbosa da avenida Francisco Porto é a loja 20. Hoje vou contar alguns momentos em que pude perceber, ainda criança, de Gentil e Noel Barbosa, quando, creio que diariamente, iam à loja, o primeiro “Hiper G.Barbosa” de Aracaju. Eu devia ter entre oito a dez anos, quando acompanhava meu pai às compras no supermercado, que era muito perto de casa e facilitava para ele mesmo comprar o que queria. Quase todos os dias ele estava lá, mas nem sempre comprar algo era o objetivo, era mais conversar com os amigos que tinham nos bancos amadeirados do supermercado, tipo os de praças antigas, um local pra jogar conversa fora e falar do então governo Sarney, que vivia dias complicados, com inflação galopante e mudanças nos preços dos produtos, quase que diárias.

Uma turma composta por Leandro Alves, Antônio Melo, Augusto Batista e alguns que não sabia o sobrenome, como seu Juca, Joaquim da padaria “Pão Nosso”, Cecílio, conversavam muito naquele ambiente que até hoje é local de prosa para outras pessoas, também idosos que lêem seus jornais e comentam as notícias do cotidiano. Tinha uma agência do Itaú dentro da loja 20, que também atraía outros homens que aumentavam ainda mais a roda de conversa. Eis que chegavam, juntos ou separados, Gentil e Noel Barbosa. Noel era jovem, devia ter seus 40 anos, e conversava um pouco com essa turma de senhores, já em sua maioria de idade avançada. Meu pai tinha uns 75 nessa época e a turma dele era da mesma faixa etária.

Ainda pequeno, observava aqueles senhores na porta da loja, analisando o movimento, conversando uns com os outros, com os idosos lá reunidos e, depois, seguiam para dentro. Peculiaridades que em tenra idade não percebia o quanto eram importantes para aqueles homens, que amavam o seu negócio. Entravam, conversavam com os funcionários, obviamente atraindo a atenção de todos, passavam corredor por corredor e, se encontrassem algo desarrumado nas gôndolas, colocavam no lugar. Em um desses momentos, meu velho conversava com Noel e eles falavam algo sobre a dificuldade da doca de descarga dos fundos da loja. Meu pai foi empreendedor do segmento de transporte de cargas e conhecia bem as especificações para a descarga, observou o que deveria se mexido e teceu sugestões. Poucos dias depois, obras corretivas. Lá ficavam caixotes de frutas, aos montes. E eu gostava daqueles caixotes porque serviam para fazer alguma coisa para brincar. Saía contente porque, depois que pedi no dito dia das sugestões para ficar com algum, Noel disse que poderia pegar todos. Pegava um ou outro e depois iríamos construir carrinhos de rolimã, com peças de uma oficina da vizinhança ou de seu Antônio Poderoso, da antiga Casa dos Rolamentos, que nos dava umas para fazermos nossos carrinhos. Com eles nos aventurávamos em descidas pelo elevado da Francisco Porto com Nova Saneamento (não existia trânsito e um monte de pirralhos não tinha a mínima noção do perigo).

Com a passagem de Noel Barbosa para o outro lado do rio da vida, tomei noção do que aqueles irmãos faziam enquanto estavam na porta da loja, quando entravam e cuidavam do seu negócio com tanto amor. Jamais teria percebido que ali era o trânsito de uma empresa surgida como um armazém e que hoje gera 23 mil empregos no Nordeste, levando mais pessoas a ter amor, carinho e zelo por uma empresa. Fico com a lembrança recorrente dos homens na porta da loja e ouvir “os véio” dizendo: “ele chegou”, seguindo depois para o bate papo com essa turma e saindo para devotar-se ao que a cada dia passado se tornou um dos maiores empreendimentos do varejo do Brasil.

No fundo do supermercado, havia um restaurante que era bem funcional, balcões únicos, com corredores para o trânsito dos funcionários, onde era servido um cachorro-quente muito bom e onde também pude acompanhar outras tantas conversas dos grupos que lá se encontravam. Eventualmente, lá estava Noel, também esticando um papinho. Acredito que seja por isso que eu tenha tanto carinho pela loja 20, por tudo que vi acontecer ali, pelas pessoas que ali passaram e pelo grande exemplo que anos depois entendi o porquê.

Minha carreira como engenheiro automobilista de rolimã não deu certo, mas até hoje os caixotes me trazem boas lembranças.