ARACAJU/SE, 20 de abril de 2024 , 11:20:27

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Adeus a Maria Helena Silveira

 

Maria Helena fechou os olhos. Então, cruzaram suas mãos sobre o peito. O coração, ah!, o coração de tantos janeiros e dezembros, que lhe foi tão fiel esse tempo todo, coração que sempre esteve ao seu lado, não aguentou o rojão da sua dona. Sucumbiu. E aí levou Maria Helena com ele. Quiçá não carregasse tal intenção. Quiçá fosse uma simples teimosia, um biquinho para se fazer notado. A realidade, contudo, é que levou, e a levou de volta a Itabaiana, para junto de Zeca Mesquita e de dona Clotildes. Maria Helena se foi. Não há retorno. O coração pode se fazer de desentendido, por não acertar mais como marcar o compasso outra vez. A conclusão de tudo: o livro de Maria Helena fechou sua última página, que, ela, reclusa numa sala de hospital, nele não pode mais nada registrar.

Assim se foi uma mulher e tanto, que eu vi passar, centenas de vezes, menino, vindo do Canto Escuro, entrando na Rua do Sol, em direção ao Cartório do pai, no oitão da Igreja. Eu parava para assistir, porque sua presença exigia atenção. Alba, na curiosidade de menina-moça, ia para a calçada a fim de ver o vestido sempre novo de Maria Helena. Havia sempre um vestido estreando que despertava os olhares da mulherada de todas as idades. De minha parte a admiração recaiu, depois, na datilógrafa, no júri, a rapidez com que dedilhava, os dedos correndo na máquina de datilografia, sem fixar os olhos em tecla alguma, como se os dedos enxergassem também. Eu, na inocência de tão poucos anos, ficava de boca aberta, o espanto me assaltando a cabeça. Meu sonho de aprender datilografia nasceu ali, ela, sem saber, me inspirando, eu, na vã tentativa de, um dia, chegar, pelo menos, em sua calçada.

Maria Helena caminhou sempre em direção contrária ao atraso da província. Não deixou que os cancelos vedassem seu caminho. Ousou, trilhou, bordou e pintou o sete, a experiência que o tempo lhe adornou, o perfeito domínio de suas atividades, a cordialidade reservada a todos que se esgueiravam nos balcões do cartório, a palavra amiga, dentro de sua conduta de filha, de irmã, de esposa, de mãe, de escrivã, e, sobretudo de mulher, que sempre soube ser, de cabeça erguida, vivendo em Itabaiana como se estivesse em Paris, indiferente a todos por já ter nascido vacinada contra a língua alheia. Penso que no íntimo da cabeça, se incomodada alguma vez, deve ter dado boas bananas.

Maria Helena foi tudo isso, e, hoje, com o coração falhando na tarefa de mantê-la em atividade, foi transformada em um ponto de saudade. Dos seus e de todos nós. Saudade na imensa falta que já nos invade. Porra, Maria Helena, pessoas como você não deveriam morrer!

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras
vladimirsc@trf5.jus.br