ARACAJU/SE, 20 de abril de 2024 , 13:12:03

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As vestes de Cristo em nós

O Segundo Domingo da Páscoa é bastante conhecido na atualidade como “Domingo da Divina Misericórdia”, graças à instituição desta alcunha pelo Papa São João Paulo II no dia 23 de maio do ano 2000, obedecendo ao pedido feito por Jesus, nos anos 20 do século passado, na Sua aparição à freira polonesa Faustina Kowalska. Entretanto, não nos esqueçamos do primitivo nome deste dia litúrgico e do seu grande significado.

Domenica in Albis“, ou seja, Domingo no Branco, é a sua denominação primeira. Por que deste nome? Conforme uma antiquíssima tradição, os que eram batizados na Noite Santa da Vigília Pascal, oito dias após, despiam as vestes batismais que envergavam desde o seu banho da regeneração. É bem verdade que os tempos eram outros, inclusive no tocante à noção de higiene. Porém, não podemos negar a imensa carga simbólica que existia naquela prática da Igreja nos seus primeiros séculos.

Ainda hoje, quando depois do mergulho batismal e da unção com o Santo Crisma, o que foi batizado é revestido de uma veste diferente, aparentemente material, mas, eminentemente, espiritual: “[…] nasceste de novo e foste revestido de Cristo. Recebe, portanto, a veste batismal, que deves levar sem mancha até a vida eterna, conservando a dignidade de filho de Deus”. E a grande pergunta se formula: como levá-la pura e sem nódoa ou mancha de pecado?

Creio que seja pertinente salientar o novo nascimento a que fomos chamados: pela graça divina, o Pai, pela Páscoa do Filho, fez-nos “nascer de novo, para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, que não se mancha nem murcha, e que é reservada para vós nos céus” (1Pd 1,3-4), como São Pedro afirma. Esta esperança chama-se vida: a existência neste mundo, na espera ansiosa do Céu, que é a meta do que vivemos na prova, na dor, no consolo e na alegria. O Príncipe dos Apóstolos também recorda o porquê de Cristo ter-nos escolhido e santificado pelo Seu Sangue redentor, derramado na Sua Páscoa: “Graças à fé, e pelo poder de Deus, vós fostes guardados para a salvação que deve manifestar-se nos últimos tempos. Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações. Deste modo, a vossa fé será provada como sendo verdadeira – mais preciosa que o ouro perecível, que é provado no fogo – e alcançará louvor, honra e glória no dia da manifestação de Jesus Cristo” (1Pd 1,5-7).

A nossa vida de fé, representada como sendo mais valiosa do que o ouro perecível e pela brancura da veste batismal, deve ser conservada no seu valor inalienável e na sua pureza imaculada. E cada cristão, no seu cotidiano, sempre assistido pelo Espírito do Ressuscitado que nos concede o devido discernimento entre as sombras deste mundo, deverá descobrir, pelo presente e pelo futuro que tem diante de si, como preservar a graça batismal; mesmo estando despojado da veste material, a espiritual permanecerá: “É preciso renovar-vos, pela transformação espiritual da vossa mente, e vesti-vos do homem novo, criado a imagem de Deus, em justiça e santidade da verdade”, tal como escreve São Paulo aos Efésios (4,23-24); ou ainda o que ele nos exorta quando se dirige aos Colossenses: “Como eleitos de Deus, santos e amados, vesti-vos com sentimentos de compaixão, com bondade, humildade, mansidão, paciência; suportai-vos uns aos outros e, se um tiver motivo de queixa contra o outro, perdoai-vos mutuamente. Como o Senhor vos perdoou, fazei assim também vós. Sobretudo, revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, para a qual fostes chamados em um só corpo. E sede agradecidos” (3,12-15).

Isto de ser revestido de Cristo, o que embute uma prática nova em nosso reto proceder, encarado com a subjetiva responsabilidade que cada um tem, reflete na vida da Igreja e na vida do mundo. Entretanto, se não formos tão perseverantes assim, caber-nos-á um recomeçar quando do tropeço e da queda do pecado, que sujam a integridade do nosso espírito. A experiência do Sacramento da Reconciliação é aquela de resgatar a alvura da nossa vida íntegra de fé, de lavar e alvejar a nossa veste no Sangue do Cordeiro após as grandes tribulações da vida (cf. Ap 7,14).

Travestidos de Cristo com uma veste indissociável ao nosso viver, procedamos sempre na honestidade do ser cristão.