ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 19:45:20

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Em torno de um símbolo

Na segunda-feira, 6 de setembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul hasteou a bandeira do Império do Brasil. Nela, sobre um fundo verde, cor da Casa de Bragança, há um losango amarelo, dos Habsburgo. No centro do losango, posta-se uma esfera, na qual está ao meio um globo, com a cruz da Ordem de Cristo, circulada por 19 estrelas, uma para cada província. À esquerda, um ramo de tabaco e, à direita, um de café. Sobre ela, uma coroa, cravejada de diamantes.

Apesar da incontestável beleza, o uso de tal flâmula defasada não se justificava, nem se justifica. O Brasil Império foi superado, em 15 de novembro de 1889, pelo regime republicano. Fora de exposições históricas ou eventos afins, hasteá-la é uma ilegalidade e um ato político reacionário, incompatível com a natureza oficial de qualquer repartição pública.

O ato é, no mínimo, anacrônico: tem 130 anos de retardo. Logo após a Proclamação da República, entre disputas quanto ao modelo, foi adotado um pavilhão, criado por Rui Barbosa, que copiava escancaradamente o estadunidense, com o verde e amarelo no local do azul e vermelho de lá. Ele viajou no mastro do Alagoas, navio que levou a família real para o exílio. 

Mas, desde 19 de novembro de 1889 – ou seja, já no quarto dia do novo regime -, o país tem bandeira assemelhada à atual. No Decreto nº 4, subscrito pelo marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório, constava: “A bandeira adotada pela República mantém a tradição das antigas cores nacionais – verde e amarela – do seguinte modo: um losango amarelo em campo verde, tendo no meio a esfera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido obliquo e descendente da esquerda para a direita, com a legenda – Ordem e Progresso – e ponteada por vinte e uma estrelas, entre as quais as da constelação do Cruzeiro, dispostas da sua situação astronômica, quanto à distância e o tamanho relativos, representando os vinte Estados da República e o Município Neutro; tudo segundo o modelo debuxado no anexo n. 1.” 

A Constituição de 1988 declara que a bandeira é um dos símbolos nacionais. Por isso, a utilização de qualquer outro estandarte, ainda mais à porta de um órgão estatal, representa uma infração manifesta a esse mandamento. A Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, estabelece minuciosas exigências. Diz, por exemplo: “As constelações que figuram na Bandeira Nacional correspondem ao aspecto do céu, na cidade do Rio de Janeiro, às 8 horas e 30 minutos do dia 15 de novembro de 1889 (doze horas siderais) e devem ser consideradas como vistas por um observador situado fora da esfera celeste.” 

Essa não é a única requisição rigorosa. Há, também, ordens exatas sobre os tipos de tecido (tamanhos) e as precisas proporções entre os elementos do lábaro. Existem, igualmente, exigências quanto ao hasteamento, uma das quais cobra-o nos edifícios-sede dos poderes. Acrescenta-se a determinação de que seja obrigatório o ensino do desenho e do significado da bandeira nacional. O descumprimento dessas ou de qualquer outra orientação dessa lei é considerado uma contravenção penal.

Voltando ao começo. Com acerto e velocidade, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, determinou ao TJMS que fosse imediatamente retirada a bandeira imperial e posta a republicana, ordenando a abertura de procedimento para a apuração do insólito episódio. Sabe-se que grupos políticos extremistas adotaram a estética monárquica como elemento de contestação ao regime democrático e republicano vigorante. A investigação procurará saber se há tais motivações no ato ilegal.

Seja como for, não é demais lembrar que a atual Constituição foi generosa com o pensamento monarquista e deu aos seus defensores a possibilidade de, mediante plebiscito, vigorar, novamente. Em 21 de abril de 1993, os brasileiros compareceram às urnas e decidiram sobre modo e sistema de governo. 67.010.409 votos foram contabilizados e a monarquia teve apenas 6.843.196 deles, ou 10,2%, contra 44.266.608, ou 66%, alcançados pela república. Na mesma data, 37.156.884 eleitores preferiram o presidencialismo (55,4%), contra 16.518.028, que abraçaram o parlamentarismo (24,6%). Duas goleadas. Caso encerrado. Matéria preclusa.

A bandeira do Brasil, portanto, é republicana e não admite burlas, nem trocas. Seu uso, aliás, é franqueado a todos os brasileiros, já que a lei de regência afirma que “pode ser usada em todas as manifestações de sentimento patriótico”. Isso quer dizer que ela não pertence a grupo político algum. Seja qual for a direção ideológica, oposição ou governo, em manifestações ela pode ser envergada por quem quiser. Em sua homenagem, Olavo Bilac compôs versos musicados por Antônio Francisco Braga, que se tornaram o Hino à Bandeira. Neste, o estandarte é saudado como “pendão da esperança” e “símbolo augusto da paz”. Assim seja.