O termo latino ‘discipulus’ – passado para o português, discípulo -, muito mais do que seguidor e aprendiz, possui em si a compreensão de imitador. O discípulo é o que imita o mestre. Não sendo diferente tal compreensão na prática da vida cristã, quando imitamos o Divino Mestre, que, instruindo-nos com as verdades do Céu, propõe-Se como modelo.
São Lucas, nas páginas do seu Evangelho, põe-nos diante de uma informação muito importante: Jesus “tomou a firme decisão de partir para Jerusalém” (9,51). Este não é um dado simplesmente biográfico ou geográfico; antes, é soteriológico, porque diz respeito à nossa salvação. “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o céu” (Ibidem); estava chegando a “hora” de Jesus (cf. Jo 13,1); a “hora” para a qual Ele veio (cf. Jo 2,4). Para ela, estava o Salvador ansioso, porque veio para fazer com prazer a vontade do Pai (cf. Sl 39,8-9). Imaginemos a decisão determinada da marcha de Jesus, atravessando a Samaria, após ter saído da Galileia! É a caminhada para a Cruz. E, para isto, quer-nos associar a Si. Por este motivo, à medida em que sobe para redimir-nos, o Cristo, na Sua mansidão, deseja que a fé atraia não obstante a liberdade (ou mesmo a libertinagem) do homem – e, diante do fechamento dos samaritanos e do consequente desejo irascível dos Apóstolos de fazerem vir fogo do céu, o Senhor os repreende (cf. Lc 9,53-55). Ao que, nesta associação a Si, o Senhor passa propondo-Se e chamando.
Para sentir-se associado ao Cristo que passa e vocaciona, o cristão deve-se honrar pela coragem de enfrentar diversas situações adversas, que tentam concorrer com o inquietante chamado que Jesus faz. Por vezes, o maior empecilho para o seguimento somos nós mesmos; não raramente, o maior adverso aos planos de Deus é o próprio vocacionado, esquecendo-se de que, somente na correspondência ao Senhor é que o coração humano encontra o seu benfazejo. Para abraçarmos a coragem, faz-se mister uma violência interior que nos permita um espírito de desprendimento de nós mesmos, das falsas sensações de segurança que os prazeres e a mentalidade do mundo e da carne, enganosamente, querem nos embutir. Um desprendimento irreservado que nos desinstale de nós, que nos conforme a Jesus, imitando-O na firme vontade de Deus, sem concessões ao que nos leva ao pecado.
Aqui, não penso nem tanto nos que são indiferentes ao Evangelho por desconhecê-lo. Penso, sobretudo, naqueles que são cristãos porque receberam o Batismo, receberam as sementes do Evangelho; alguns que se arrogam em dizer que são de Igreja, sacerdotes, religiosos, fiéis leigos de pastorais e movimentos, que comungam, mas que querem relativizar as exigências do Senhor e da Sua Lei em nome de um pseudocristianismo, açucarado, um espantalho, que não é chamado à santidade e, tampouco, à vida de Cristo em nós, mas um desgaste das virtudes que, na realidade, arrasta para o inferno.
É preciso que nós, pregadores da Palavra, inculquemos nos que nos escutam dois sentimentos muito esquecidos na espiritualidade, e que geraram santos e são imprescindíveis a que imitemos Cristo: um já falamos anteriormente: parresia, coragem; o outro: ascética; ou seja, o de rompermos com uma mentalidade de que estamos condicionados à fraqueza, num vitimismo descabido, que aparenta que somos escravos do mal e que não podemos resistir, em superação, às tentações com vigor, principalmente assistidos pela graça de Deus, que nunca nos abandona. “É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai pois firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).
O medo entorpece. Já que o Senhor, na Sua fidelidade, nos chamou à Si, não hesitemos em dar-nos completamente a Ele. Não Lhe sejamos indignos, tal como observou Jesus na afirmativa ao terceiro vocacionado: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,62). Ao que, devendo caminhar olhando para frente, mira o que ficou no passado, restar-lhe-ão traços tortuosos de vida e de ação, um apostolado que pode não gerar; antes, comprometer o surgimento de frutos; uma verdadeira atrapalhação à “lavoura do Senhor”, à Sua Igreja.