“Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão” (Lc 15,20).
Deus nos olha com amor; somos gerados, somos frutos do olhar misericordioso do Senhor, que nos acompanha, significando-nos e ressignificando-nos com o Seu constante perdão, com a Sua devotada busca por nós.
Ao falar desta busca, penso nas diversas iniciativas de aliança que Deus propôs no Antigo Testamento, dentre as quais, por exemplo, aquela narrativa da velha aliança de Deus com Moisés, no Sinai, discordia pelo livro do Êxodo. Em simultâneo à entrega das tábuas da Lei, dos Dez Mandamentos, o povo eleito da primitiva aliança prevarica contra Deus, adotando como divindade, em substituição ao Único e Verdadeiro Altíssimo, um bezerro de ouro. Se aquele artefato de mãos humanas era valioso por sua feitura, infinitamente superior é Aquele que fez todas as coisas. Deus, ao que mirava Moisés, via que aqueles homens “fizeram para si um bezerro de metal fundido, inclinaram-se em adoração diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios” (Ex 32,8). Ao que igualmente partilhou com o Seu servo Moisés o que se passava em Seu coração: “Vejo que este é um povo de cabeça dura” (Ex 32,9).
Essa visão sobre os homens, Deus desejou compartilhar com aquele que se tornou, por eleição divina, Seu amigo (cf. Eclo 45,1). Por isso disse: “Vai, desce, pois corrompeu-se o teu povo, que tiraste da terra do Egito. Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi” (Ex 32,7-8). Entretanto, a visão que Deus desejou que Moisés tivesse não é aquela do primeiro impacto, de uma visão meramente fisiológica, que, por vezes, nos faz tirar conclusões precipitadas; é, sobretudo, saber ver com o coração (parafraseando Antoine de Saint-Exupéry, no seu best-seller “O Pequeno Príncipe”). Deus ofereceu a Moisés uma constatação além das queixas, ao ponto de o chamado “Legislador da Antiga Lei” se tornar uma espécie de intercessor em favor do povo que traiu o Senhor: “Por que, ó Senhor, se inflama a tua cólera contra o teu povo, que fizeste sair do Egito com grande poder e mão forte? Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Israel, com os quais te comprometeste por juramento” (Ex 32, 11.13); como se quisesse dizer, em poucas palavras: “Nota a Tua misericórdia, ó Deus! Nota também não estes, que Te desagradaram, mas os que fizeram justiça ao Teu amor!”.
Com esta visão misericordiosa dada por Deus a Moisés, podemos exercer uma contrarrelação com aquela que os fariseus e mestres da Lei tinham, porque os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar, ao que o Senhor os acolhia, e, por isso, era criticado (cf. Lc 15,1 et al.). Aqueles que deveriam ser propagadores do olhar misericordioso de Deus – porque, ao menos teoricamente, o conheciam –, não agiam dessa maneira porque se esqueciam de que Deus também os tratava com amor. Podiam até oferecer os sacrifícios no Templo como judeus piedosos. Entretanto, não o faziam com a alma penitente e coração arrependido. Homens que, a partir dos seus corações, afastavam de si a face misericordiosa do Senhor, e retiravam de si mesmos o Espírito Santo; homens que não encontraram a misericórdia, porque agiam com a ignorância de quem não têm fé, tal como classificamos os críticos de Jesus, que não reconheciam que, com a chegada do Senhor em nossa carne, que veio ao mundo para salvar os pecadores, “transbordou a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus” (1 Tm 1,14).
O Senhor convida-nos a que encaremos, com a alegria do Céu e com o júbilo dos anjos (cf. Lc 15,7.10), a ação misericordiosa de Deus, que produz – como um dos seus frutos – a conversão dos pecadores, como obra de Seu olhar penetrante e benévolo sobre todos e cada um de nós, geral e particularmente falando; que nos procura incansavelmente; que faz boa conta da nossa presença. Afastemos, pois, de nós atitudes egoístas, orgulhosas e receosas, ilustradas pelo irmão mais velho daquele a quem a interpretação bíblico-popular denomina “filho pródigo”!
Não sabemos se o filho mais velho daquele pai misericordioso tomou lugar no festim do reaparecimento do irmão, agora arrependido. A resposta para este enigma recai sobre a nossa forma de pensar e agir, conforme a nossa vida. A partir dos nossos critérios de amor, decidiremos o final desta parábola.