ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 5:57:11

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O Pagamento de uma promessa e as (duras) lições aprendidas – parte 4

Caros leitores, nesta quarta coluna sobre a peregrinação que eu e minha esposa Roberta fizemos a Santiago de Compostela em 2019, vou continuar inspirado pelas inúmeras sugestões que recebi e novamente pelo diário bem detalhado de Roberta.

De volta à estrada, saindo de Portomarín a caminho de Palas de Rei, a 25 km de distância, eu me sentia melhor, mas Roberta não, porque estava sofrendo com bolhas nos pés e por ter dormido mal nos dias anteriores, devido ao cansaço extremo.

O percurso era, como sempre, muito bonito, com muitas subidas e descidas, atravessando florestas e algumas pontes, entremeado por algumas igrejas do tempo do império romano, como a que encontramos no povoado Castromaior.  Impressionante como eles conseguem preservar construções tão antigas! Uma prova que os romanos sabiam construir. Sabia que o concreto é uma invenção romana, chamado por eles de Opus Cementitium?

Passamos também pela Igreja de Vilar de Donas, construção do século 12, espetacular.  Originalmente foi edificada pelos templários, a famosa ordem dos monges guerreiros fundada por cavaleiros franceses para proteger os peregrinos que iam a Jerusalém e os que faziam o caminho de Santiago.

Após 7 (sete) horas de caminhada, já estávamos preocupados porque não víamos nenhum sinal da cidade. Escondida numa planície rodeada de altas montanhas, só conseguimos enxergá-la bem pertinho, o que nos alegrou muito!  A cidade parecia de conto de fadas, pequena, lindíssima.

Chegamos cansados, mas não tanto. Nossos corpos e mentes começavam a se adaptar às longas caminhadas. E desta vez encontramos um hotel na primeira tentativa, o Hotel Mica, muito bom, onde dormimos com conforto para nos preparar para o dia mais difícil, o próximo, de 30 km, até a cidade de  Arzúa, trecho conhecido como “rompepiernas”, nome que dispensa explicações.  A fama era tão forte que Roberta usou um serviço de van para levar a mochila dela até o hotel de Arzúa. Eu, devido à minha promessa, decidi continuar carregando minha mochila, que foi bem desafiador. Mas isso é tema da próxima coluna!

Conseguimos jantar em um ótimo restaurante (porque as refeições no caminho são quase sempre iguais, carne com batata, e queríamos variar) e, indo para lá, passamos na igreja matriz.

Estava sendo celebrada uma missa, e quem vimos na primeira fila?

Uma senhora loura, alta, que aparentava ter 70 anos, que andava de muletas e sozinha, carregando a própria mochila, mesmo com dificuldade de locomoção. Tínhamos ultrapassado ela na saída de Portomarín e nos impressionamos de como ela conseguia andar carregando aquela mochila, e especulamos que ela não iria conseguir chegar a Palas de Rei. Pois, ela não apenas chegou, como imediatamente foi à igreja para a missa.

Durante a refeição, ficamos discutindo sobre que exemplo de persistência aquela senhora tinha acabado de nos dar. Ela havia caminhado 25 km, sozinha, mancando por alguma deficiência momentânea ou permanente, com muletas e carregando uma mochila!  Um verdadeiro exemplo de fé!

Repassando o dia antes de dormir, na cama, me recordei que no primeiro dia, logo após machucar o joelho, quando estávamos voltando do restaurante para a pousada após o jantar, começou a chover e a esfriar. Roberta correu para a pousada e eu não consegui, fui me arrastando bem lentamente por mais ou menos quinhentos metros e sofrendo um frio terrível, pois estava usando uma simples camiseta, enganado pelo clima imprevisível daquela região. Cheguei na pousada batendo o queixo fortemente, que só passou depois de um banho quente bem demorado!

Lembrei de como senti vontade de ser ajudado enquanto caminhava lentamente, devido ao joelho com dor.

Senti remorso por não ter oferecido ajuda àquela senhora que encontramos no caminho.

E assim percebi o quarto ensinamento do caminho: “ajudar sempre quem tem qualquer dificuldade de locomoção”.

Todas essas exigências atuais de acessibilidade obrigatórias nas construções, que são caras e muitas vezes levam os empreendedores a reclamar, são extremante necessárias, para dar qualidade de vida a uma grande parte da população, que pode trabalhar e  ter uma vida plena se receber condições para isso, como aquela senhora do caminho nos havia demonstrado de forma irrefutável.

Quase sempre, quem não tem nenhuma deficiência tem dificuldade em se colocar no lugar de quem tem, em uma falta de empatia típica da civilização atual.

Como nos ensina São Paulo em Gálatas 6,2: “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis as leis de Cristo”.

Curiosidade 1: Roberta só conseguiu furar as bolhas dos pés ao final desse quarto dia de peregrinação, o que a permitiu completar o percurso seguinte, o de “rompepiernas”, e  a dormir bem pela primeira vez na viagem.

Curiosidade 2: Nesse quarto dia, começamos a caminhada bem cedinho. Descobrimos que esse era o segredo para não ficar procurando hotel sem encontrar. Porque as melhores acomodações acabam ficando para quem chega mais cedo, desta forma o recomendável é sair ao raiar do sol, até para não sofrer com o sol e o calor ou chuvas fortes e frio que às vezes acontecem nos fins de tarde.

No quinto dia, tema da próxima coluna, pela primeira vez na vida eu sofri leves desmaios provocados pelo cansaço.  Afinal, nos cinco primeiros dias percorremos quase 130 km. Era o equivalente a 3 (três) maratonas, agravados pelas mochilas, pelas subidas e descidas, pelo oxigênio mais rarefeito das montanhas, diferente do que estávamos acostumados, por morarmos ao nível do mar.

E então tive certeza que o ideal é fazer a peregrinação acompanhado, porque quando um cair, o outro o ajuda a se levantar. E olhe que eu queria pagar minha promessa sozinho, foi insistência de Roberta ir comigo (graças a Deus).

Aliás, na vida não é assim também?

Até lá!