ARACAJU/SE, 25 de abril de 2024 , 5:15:07

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O Pagamento de uma promessa e as (duras) lições aprendidas – parte 5

Por João Alves Neto, empresário e administrador de empresas

Caros leitores, nesta quinta coluna sobre a peregrinação que eu e minha esposa Roberta fizemos a Santiago de Compostela em 2019, no quinto dia saímos de Palas de Rey bem cedinho, assustados pela fama do percurso conhecido como “rompepiernas”, de 30 km, até Arzúa.

Era realmente diferente. Até então, tínhamos enfrentado muitas subidas e descidas, mas elas não eram tão longas, e sempre mescladas com planícies ou longos platôs.

Já nesse dia, como Palas de Rey situava-se numa altitude média de 600 metros e Arzúa de 400 metros, o que tínhamos eram longas descidas e subidas, às vezes de quase 3 km cada, e era isso que cansava tanto. A vantagem é que o trajeto é muito arborizado, com florestas de antigos carvalhos ou eucaliptos, e quase todo asfaltado.   Na verdade, a peregrinação tinha sido uma grande descida, pois o povoado do Cebreiro, onde iniciamos, está situado a 1330 metros acima do nível do mar e Santiago de Compostela está a 260 metros.

Não faltam nesse trecho igrejas antiquíssimas para visitar, algumas pontes de pedra lindas (muitas delas construídas pelos romanos e ainda em ótimas condições) sobre rios de águas cristalinas onde se pode tomar banho, e muitos restaurantes onde se pode parar e descansar.

Exatamente na metade, chegamos a Melide, uma pequena e aconchegante cidade célebre por suas pulperias, restaurantes especializados em servir polvo, prato típico da Galícia, onde comemos um delicioso polvo na brasa e juntamos forças para continuar.

Um pouco antes de chegar a Melide, passamos pelo seu Parque empresarial, chamado “A MADALENA”, com muitos prédios de escritórios e indústrias.

Foi atravessando esse parque que aconteceu.

Sentei-me para descansar alguns minutos (com Roberta reclamando que eu estava parando toda hora para isso – em minha defesa só eu estava carregando a mochila) e ao me levantar, apaguei, sofri um pequeno desmaio, sem consequências, porque Roberta percebeu e me segurou antes de eu cair.

Era exaustão. E só estávamos na metade do Rompepiernas!

Até o fim do dia, tive mais uns dois desses. Eu parava, deitava-me no chão por alguns minutos, e via tudo rodar e escurecer. Só me levantava segurando na mão de Roberta, parecendo que estava com labirintite.

E como eu consegui terminar os 30 km?

Quando recomeçava a caminhar, pegava o terço que levava e rezava, o tempo todo, um terço após o outro, e, concentrado na oração, esquecia do cansaço, das dores, das tonturas. Não lembro como consegui segurar o terço simultaneamente aos 2 (dois) cajados que eu continuava usando devido à dor no joelho, mas consegui.

Assim, entendi a quinta lição do caminho: “Quando a dor e o sofrimento estiverem insuportáveis, reze sem parar”’.

Como está escrito em Salmos 1:2, “bem aventurado o homem que tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite”.

Se ele medita de dia e de noite, é porque reza o tempo inteiro, em várias situações, e assim sublima suas dores e continua em frente, não importam os obstáculos e dificuldades.

Após o almoço, continuamos até próximo a Arzúa, onde encontramos um amigo que tínhamos feito no caminho, Jeff, professor norte-americano que falava português e que conversou muito conosco. Ele vinha acompanhado de sua esposa e um grupo de 15 alunos dele na universidade de Utah (Salt Lake City, Utah, USA), vindo De Saint-Jean-Pied-de-Port, na França. E foi mais um exemplo do ensinamento “ouvir Deus através das pessoas”, pois ele nos convenceu que a opção profissional que Guilherme, meu enteado, havia feito, de largar a advocacia, onde já estava bem estabelecido trabalhando no tradicional escritório do nosso amigo Sílvio Bastos, e recomeçar estudando Finanças em São Paulo, era correta, e que deveríamos apoiá-lo (o que não estávamos fazendo, receosos em vê-lo trocar o certo pelo duvidoso).

Depois de quase nove horas de caminhada, chegamos a Arzúa, completando quase 130 km em 5 (cinco) dias. Dormimos no Hotel Arzúa, com conforto. A cidade é pequena, com apenas 6.500 habitantes, e praticamente é uma rua bem comprida, subindo, o que faz o final ser bastante penoso.

Achamos a cidade sem graça, mas não era; era o cansaço mesmo que estava demais e nos fez apenas querer jantar vizinho ao hotel e nos jogar na cama (para dormir apenas, porque não tínhamos força para mais nada). De destaque, lembro os excelentes queijos que experimentamos, pois a cidade é famosa por eles, de vacas e de ovelhas.

Curiosidade 1: Deveríamos ter dormido em Melide. Ela é muito mais animada que Arzúa, mais bonita, com mais restaurantes, museus, igrejas e monumentos, o que tornaria o caminho menos sofrido. Seria apenas mais um dia na viagem e teríamos tido energia para aproveitar a noite.

Curiosidade 2: A famosa rede de varejo “Zara” tem sua sede na Galícia, na cidade de Arteixo. Seu dono, o senhor Amancio Ortega, hoje com 86 anos, é um dos homens mais ricos do mundo, chegando a ser o mais rico em junho de 2017 (por três horas apenas, no ranking em tempo real mantido pela revista Forbes). Pois você sabia que anualmente o Sr. Amancio, acompanhado de amigos, familiares e seguranças, faz o caminho de Santiago, sempre em rotas diferentes? Em 2007, por exemplo, ele saiu de Sevilha, no sul da Espanha, e caminhou até Santiago, mais de 800 km distante, percorrendo uma média de 20 km por dia.

Curiosidade 3: Por toda a Galícia, encontramos pontos de descanso no caminho mantido por particulares, com sombra, cadeiras e sofás, com frutas servidas à vontade e água. E surpresa: nada é cobrado. O peregrino, se quiser, faz uma doação em uma cesta aberta. Foi em um desses pontos que conhecemos Jeff, o professor norte americano supracitado.

Curiosidade 4: Após chegar a Santiago, procuramos a todo custo o contato de Jeff no google, nas redes sociais, sem sucesso. Pareceu mais um anjo enviado por Deus para nos aconselhar sobre Guilherme. Se refletirmos, isso não acontece sempre, pessoas que se aproximam de nós para aconselhar ou  ajudar, como anjos, e depois somem?

No sexto dia, tema da próxima coluna, novamente recebemos belas lições de vida, desta vez de habitantes do lugar, não dos peregrinos.   Daqui a duas semanas vocês saberão!