ARACAJU/SE, 2 de maio de 2024 , 0:33:16

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O Pagamento de uma promessa e as (duras) lições aprendidas – parte 6

Caros leitores, no sexto dia da peregrinação que eu e minha esposa Roberta fizemos a Santiago de Compostela em junho de 2019, saímos de Arzúa em direção a O Pino (ou O Pedrouzo), cidadezinha com menos de 5.000 (cinco mil) habitantes às portas de Santiago, que era praticamente uma rua bem comprida, com uma floresta margeando um lado.

O percurso foi de 23 km (já contando a distancia que andamos dentro da cidade, até encontrar a pensão onde dormimos), mais leve que o do “Rompepiernas”, mas não isento de dificuldades. Dizem os experientes no caminho de Santiago que não há um dia fácil, há dias mais difíceis.

Enfrentamos chuva e frio de 10 graus.

Novamente o trecho era deslumbrante, com muitas subidas e descidas, capelas (como a do santuário de San Pelaio, o eremita que descobriu em 813 d.C. o sepulcro de pedra onde repousavam os corpos de São Tiago e seus dois discípulos Teodoro e Atanásio), atravessando bosques de eucaliptos e florestas nativas.  O número de bares e restaurantes de boa qualidade para paradas aumentou, pela proximidade de Santiago.

Passamos por um pequeno povoado chamado Santa Irene, onde existe a Ermita de Santa Irene e uma fonte de água que tem reputação de curar os enfermos.

O fato marcante do dia foi termos visto um velhinho encurvado, que aparentava ter mais de 80 anos, e que nos chamou e deu um cajado para Roberta, e pediu a ela: “Por favor, reze por meu neto Davi, que mora em Santiago”. Uma evidência da fé da população da Galícia, que crê realmente no poder da oração dos peregrinos e torce para que eles consigam completar a jornada.  Roberta atendeu ao pedido dele, e foi usando o cajado até Santiago de Compostela, à “Iglesia de San Francisco” (onde estavam sendo celebradas as missas dos peregrinos temporariamente, já que a catedral de Santiago estava em reformas), quando recebemos o carimbo final na “Credencial Del Peregrino”, e rezou por Davi.

Conseguimos hospedagem na Pensión Diana, que era uma casa com muitos quartos adaptados para receber peregrinos e cuidada apenas por sua proprietária. Ficamos bastante impressionados com a organização do lugar, dimensionado para funcionar sem trabalhadores fixos (só freelancers quando necessários), apenas pela sua dona, que fazia de tudo: preparava o café da manhã, servia as mesas, limpava, fazia check-in, check-out, dava as instruções, recebia os pagamentos, cuidava das reservas on-line, atendia ao telefone, e ainda tinha tempo para cuidar do filho (no dia em que chegamos ele tinha um evento na escola, e ela estava atarefada, mas conseguiu ir).

A pensão tinha uma linda vista para uma pastagem com vacas, e conseguimos descansar bem, jantando no próprio quarto uma pizza servida por delivery. Essa jovem senhora nos deu um exemplo de capacidade de trabalho, o que me fez pensar muito, já que no Brasil o hábito é ter muitos funcionários para qualquer coisa, agravado pela nossa legislação trabalhista caracterizar como acúmulo de função quem faz atividades diferentes, dificultando pequenos negócios, onde todos têm que fazer de tudo.

À noite, após fazer meu exame de consciência diário e refletir sobre o exemplo da dona da pensão, compreendi a sexta lição do caminho: “Planejar mais e não subestimar as dificuldades das minhas iniciativas e empreendimentos”’.

Como muitos empreendedores brasileiros, são tantos os sustos, as mudanças legais, os entraves burocráticos, as injustiças (um ambiente totalmente inóspito para empreender enfim), que acabei com o tempo passando a focar mais no curtíssimo prazo, em como sobreviver à ameaça mais urgente, e passei a dedicar menos tempo a planejar a médio e longo prazo. Tanto é assim que os executivos brasileiros são famosos no mundo por saber improvisar e reagir às constantes mudanças, e são valorizados em multinacionais para comandar em países instáveis.

Só que isso traz um efeito perverso, o pouco planejamento.

Aquela proprietária da Pensión Diana me deixou pasmo porque tudo ali era pensado para ser eficiente e necessitar de pouco trabalho braçal.

Assim compreendi que precisava voltar às origens (à faculdade de Administração de Empresas na FGV-SP, onde me formei em 1994) e planejar melhor tudo que eu quisesse empreender, com planos escritos com todos os cenários possíveis e o que eu faria em cada caso.

E depois desses planos escritos, deveria discuti-los com pessoas de minha confiança e comprovada competência, para encontrar seus pontos falhos e melhorá-los antes de pôr em prática. E então a probabilidade de sucesso aumentaria muito.

Como ensina Jesus Cristo em Lucas 14, 28-30, “Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? Pois se lançar o alicerce e não for capaz de terminá-la, todos os que o virem rirão dele, dizendo: “Este homem começou a construir e não foi capaz de terminar”.

E por que os conselheiros? Cito Provérbios 11,14, que diz ”Por falta de direção cai um povo; onde há muitos conselheiros, ali haverá salvação.”

Em suma, reforcei em minha mente e coração que, como brasileiros, devemos cultivar nosso jogo de cintura, nossa habilidade de improvisar, mas não podemos desvalorizar a disciplina e a capacidade de planejamento. Fazendo isso, como “em terra de cego quem tem um olho é rei”, seremos bem sucedidos em tudo que fizermos (claro, se for da vontade de Deus).

Curiosidade 1: Por todo o caminho, desde o primeiro dia, de quando em quando encontrávamos cruzes com nomes e datas de peregrinos que faleceram durante a caminhada. É um pouco assustador testemunhar que tantos morreram peregrinando, entretanto, considerando que há mais de 1.000 (mil) anos esse caminho é feito, é normal tantas cruzes.

Curiosidade 2: Em todas as rotas existem setas amarelas com a concha de vieira a indicar o caminho a seguir, pois é muito fácil se perder e andar mais do que o necessário, o que é péssimo para quem está mal conseguindo fazer o caminho mais curto. O peregrino pode ver essas setas em pedras, troncos de árvores, ruas, pontes, postes, muros, em qualquer lugar enfim. Por isso, deve-se fazer o caminho concentrado, prestando atenção. É um baita treino para quem é distraído.

Curiosidade 3: Comentei acima que entendi a sexta lição após fazer meu “Exame de consciência diário”. Para quem não sabe, essa é uma prática recomendada desde os primeiros cristãos como São Paulo, bem como por alguns santos como Ignácio de Loyola e José Maria Escrivá, de diariamente, antes de dormir, fazer uma reflexão de onde se errou, à luz dos ensinamentos cristãos, e assumir um compromisso de evitar esse erro no futuro. Apenas o cristão e Deus, em oração.

Curiosidade 4: A primeira peregrinação registrada a Santiago foi a do rei Afonso II das Astúrias (primeira região da península ibérica que se libertou dos Mouros, em 718 d.C.,  e de onde se iniciou a reconquista cristã), que em 847 d.C. foi conferir se o sepulcro encontrado na região era mesmo de São Tiago, um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo. Confirmado o fato, Ele ordenou a construção de uma igreja no local, que daria origem a um povoado futuramente nomeado de Santiago de Compostela.

No sétimo dia, tema da próxima coluna, percorremos os 20 km restantes da peregrinação, completando um total de 162 km. Nesse dia, aprendi uma lição que só entendi integralmente três anos depois, quando comecei a escrever essa coluna.  Foi surpreendente…