ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 5:51:37

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O Pagamento de uma promessa e as (duras) lições aprendidas – parte 7

Caros leitores, no último dia da peregrinação que eu e minha esposa Roberta fizemos a Santiago de Compostela em junho de 2019, saímos de Pedrouzo em direção ao destino final, em uma caminhada de 20 km, totalizando 162 km em 7(sete) dias. 

A primeira metade foi por caminhos arborizados, frescos, e com muitos peregrinos caminhando conosco. Foi o trecho mais congestionado, sem o silêncio habitual. 

O ponto alto do dia foi a visita ao complexo do Monte do Gozo, onde existe um enorme albergue para peregrinos, restaurante, cafeteria, lavanderia, loja, campo de futebol, e onde se pode visitar as famosas estátuas dos peregrinos. 

O difícil foi subir até o topo, mas ao chegar lá, a recompensa: pela primeira vez conseguimos avistar as torres da catedral de Santiago, que nos trouxe uma alegria indescritível.   

Nesse local, em 1989, foi realizada a III jornada mundial da juventude, quando estimados um milhão de peregrinos (a grande maioria jovens católicos de todo o mundo) se encontraram por dois dias, com a presença do então Papa João Paulo II, com direito a uma missa celebrada por ele ao final do evento. 

A partir daí, o percurso é todo em área urbana de Santiago; agora a beleza é da própria cidade de quase cem mil habitantes (mas que parece ter muito mais, pela quantidade de monumentos, praças, parques, museus, igrejas, prédios de escritórios, lojas de departamentos como El Corte Inglês, hotéis e seu grande aeroporto internacional).  Seu coração é o centro histórico, que desde 1985 está incluído na lista de patrimônio mundial da UNESCO, e também a sua universidade pública (com quatro campi espalhados pela Galícia e 19 faculdades), fundada em 1495 e que em 2020 tinha mais de vinte e cinco mil alunos inscritos. 

Já próximo ao hotel onde nos hospedamos, em frente à catedral, o PARADORES (que originalmente foi fundado em 1499 como hospital real dos peregrinos), subindo em sua direção, passamos pela porta de uma clínica de fisioterapia.  

E eis que, num repente, tive vontade de jogar fora os cajados que usava, e deixei-os na porta da clínica. Entretanto, devo ressaltar que meu joelho ainda doía quando fiz isso. 

Apesar disso, assim que retomei o passo, meu joelho parou de doer. 

Aqui cabe a questão: o que me aconteceu foi um fato extraordinário, incomum? Foi coisa de minha cabeça ou uma graça?

Os relatos de milagres (grandes e pequenos) e graças alcançadas envolvendo peregrinos a Santiago são incontáveis e alguns datam de centenas de anos. O que eu sei é que a melhora foi tão rápida e definitiva que não me recordo se foi o joelho esquerdo ou o direito que machucou no caminho, porque não precisei fazer fisioterapia nenhum dia sequer nem tomar nenhum remédio. 

É tão comum tomar anti-inflamatório entre os peregrinos que às vezes encontramos alguns com camisetas escritas IBUPROFENO, brincando com o fato que muitos só conseguem continuar à base dele. 

Não conseguimos chegar a tempo para a tradicional missa dos peregrinos, celebrada sempre ao meio dia, porque demoramos bastante conhecendo o lindo complexo no Monte do Gozo e porque caminhamos devagar, acusando o cansaço acumulado. 

Que prazer foi chegar ao PARADORES (hotel dos reis católicos), de grande interesse histórico e arquitetônico, que é uma atração turística à parte e nos permitiu descansar muito por três dias antes do retorno ao Brasil.

Antes de dormir, refleti sobre o que tinha ocorrido com meu joelho e me alegrei, mas não compreendi. 

Assim, há poucas semanas, despertado sobre o fato por amigos que leram a coluna e me questionaram como ficou meu joelho após a peregrinação, dirigindo sozinho na BR-101 em direção a um compromisso profissional, rezando o terço, me veio o entendimento, que, confesso, me emocionou. 

E a lição que compreendi foi: “Deus está no controle de tudo, inclusive da duração e intensidade do seu sofrimento, que acaba assim que ELE quer”

Meu joelho machucado foi uma benção, porque desenvolveu em mim a persistência e a fé, porque derrubou ao chão meu orgulho, e me ajudou a fazer deste caminho abençoado um meio de aprendizado e transformação. Assim que a função daquela dor acabou, Deus fez acabar o sofrimento, porque ELE é bom, justo e misericordioso e não tem prazer em nos fazer sofrer, mas às vezes permite que soframos para nosso bem, como ensina São Paulo em Romanos 8, 28: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus”.

Como ensina o ditado popular, “Deus escreve certo por linhas tortas”

E em todas as ocasiões que enfrentei sofrimentos desde então (e foram muitas), repeti para mim mesmo: é para o meu bem, mesmo que eu não esteja enxergando como. 

A novidade para mim, e que só entendi naquele dia na BR-101, foi: todo sofrimento acaba, no tempo de Deus, por isso não devemos nos desesperar, e sim nos mantermos firmes na fé, sem se revoltar contra ELE, pelo contrário, aproximando-se mais ainda DELE. 

E quando, mesmo assim, me abalo com as dificuldades da vida, repito para mim mesmo o que está escrito em SALMOS 34,19: “Muitas são as aflições do justo, mas o SENHOR o livra de todas”.

Curiosidade 1: Na chegada ao centro histórico de Santiago, parece que estamos chegando a uma cidade em guerra, pela quantidade de peregrinos mancando, usando muletas, joelheiras, faixas, com aparência de esgotados, muitos sujos.  Mas todos com um sorriso no rosto por estarem completando a peregrinação. 

Curiosidade 2: Alguns peregrinos continuam a caminhar até Finisterra, cidade à beira-mar, acrescentando 85 km ao percurso.  A tradição é queimar no local as roupas utilizadas na peregrinação, simbolizando com isso que se adquiriu uma vida nova. 

Curiosidade 3: São Tiago (Santiago em Espanhol), cujos restos mortais encontram-se na catedral da cidade, teve uma importância capital na história da Espanha e de Portugal. Foi o santo que os cristãos invocaram na longa guerra de reconquista aos Mouros, que durou 700 anos, até acabar em 1492, quando Granada, na Andaluzia, foi vencida. É o padroeiro da Espanha. Era conhecido como “matamouros”. Quando li sobre as conquistas espanholas do Peru e do México, não entendi o grito de guerra dos exércitos imperiais, que era “SANTIAGO”. Pesquisando, descobri que este grito de guerra era usado desde a época da guerra contra os Mouros, tanto por espanhóis quanto por portugueses, e foi usado até o século 20, inclusive na guerra civil espanhola (1936-1939). 

Curiosidade 4: Brasileiros ilustres têm tido um papel fundamental em divulgar o caminho de  Santiago, que passou um tempo meio esquecido. O mais importante deles foi o mundialmente famoso escritor Paulo Coelho, que fez a peregrinação em 1986, e cujo primeiro sucesso, “Diário de um mago”, foi inspirado no caminho. O mais recente foi Ronaldo Fenômeno, que pedalou 500 km de bicicleta até Santiago, em junho de 2022, para pagar uma promessa. 

Acabou a peregrinação, então acabou a coluna? 

Não. 

O caminho é tão rico que é preciso dias, meses, até anos, para entendê-lo completamente, como exemplifiquei acima. 

No oitavo dia, tema da próxima coluna, fomos à missa dos peregrinos. Ela é tão lotada, que é necessário chegar com bastante antecedência. Foram tantas emoções…