ARACAJU/SE, 23 de abril de 2024 , 11:47:18

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O teste de Linz

Em ano de eleições, é interessante que não se perca de mira que elas são uma demonstração de que a democracia está viva. Elas não são condições suficientes para que se declare que determinado Estado é democrático, mas são necessárias para tanto. É também crucial ter em perspectiva o que anotado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em seu já clássico “Como as democracias morrem”, de 2018. A obra revela que os golpes com tanques e fuzis já não existem mais e que as democracias padecem pelas mãos dos que são eleitos por elas. Orbán, Fujimori, Chavez, Erdogan, Putin, Ortega e tantos outros foram eleitos e, depois de algum tempo, subverteram o regime, levando as suas nações ao autoritarismo. Uma vez alcançado o poder eles trazem os árbitros institucionais para o seu controle (tribunais, agências, polícia etc.), colocam os oponentes sob perseguição oficial e alteram as regras do jogo, elevando a concentração de poder. É assim que morrem as democracias, segundo os autores.

Neste exato momento, os partidos políticos, nos mais de cinco mil municípios brasileiros, estão fazendo convenções para escolha de seus candidatos a vereador e a prefeito. É nessa hora que é válido referir o “teste de Linz”, mencionado por Levitsky e Ziblatt. Juan Linz (1926-2013) foi um cientista político nascido na República de Weimar e que viveu na Espanha da Guerra Civil. Sabia bem o custo da perda da democracia. Professor de Yale, propôs quatro critérios para identificação de um potencial autocrata, alguém cuja eleição deveria ser evitada.

O primeiro parâmetro é o da rejeição das regras democráticas (ou um compromisso débil com elas). Os candidatos aceitam a Constituição? Sugerem medidas antidemocráticas como a suspensão de eleições ou a proibição de funcionamento de organizações civis? Buscam lançar mão ou defendem meios antidemocráticos para alcançar o poder, como golpes? Tentam minar a legitimidade dos pleitos eleitorais, recusando-se a aceitar seus resultados?
O segundo critério tem a ver com a recusa de aceitação da legitimidade dos adversários. Os oponentes são tratados como ameaças? São declarados criminosos? São referidos, sem fundamentação, como agentes de interesses estrangeiros?

O terceiro paradigma relaciona-se com a tolerância ou o encorajamento da violência. O candidato tem laços com gangues armadas, forças paramilitares ou afins? Patrocinam atos violentos contra adversários? Endossam a brutalidade de seus apoiadores? Elogiaram ou se recusaram a condenar atos de agressão pretéritos?
O último padrão avaliativo diz respeito à propensão de restringir liberdades civis dos oponentes e da mídia. Apoiam leis ou medidas contra rivais? Tentam impedir a livre circulação das críticas?

Para os cientistas políticos mencionados, professores de Harvard, os partidos políticos têm um importante papel. Inicialmente, eles podem manter os potenciais autoritários fora das chapas. Devem resistir à tentação de indicar extremistas, portanto. Segundo, podem extirpar os radicais antidemocráticos de suas fileiras. Terceiro, devem evitar alianças com grêmios que tenham candidatos com tais características. Por fim, quando partidos democráticos percebem que existem candidatos com tais traços nocivos concorrendo, devem formar uma frente única para derrotá-los. Isso, contudo, pede uma virtude das agremiações, o que, na verdade, em tempos de convenções, significa, de seus filiados. Pede que o interesse da democracia e do país estejam à frente dos propósitos meramente competitivos e imediatos. Não é pouco e não é para qualquer um esse tipo de desprendimento.

Levitsky e Ziblatt desenvolvem o sofisticado argumento de que são os partidos políticos os guardiães da democracia. Quando eles funcionam adequadamente, os candidatos descompromissados com o regime não conseguem competir. Mais ainda. Eles indicam duas regras informais que protegem a soberania popular de um colapso. Primeiramente: tolerância mútua. Os partidos concordam em discordar. A oposição não é uma inimiga e deve ser preservada. O segundo: deve haver reserva institucional. Aquele que detém o poder não deve usar suas prerrogativas para sabotar o adversário. Quando partidos diversos dispõem do controle de poderes diferentes isso é ainda mais relevante. O legislativo não deve negar os meios necessários ao governo e este não deve usar de suas forças institucionais para fins partidários, entre outras possibilidades.

Eles citam exemplos estadunidenses para demonstrar isso: diversos candidatos de perfis racistas, fascistas ou autoritários foram evitados. “Outsiders” e oportunistas foram mantidos fora das disputas presidenciais, de modo especial. Isso, contudo, foi mudando aos poucos. As convenções passaram a ser mais permeáveis ao populismo e, no olhar de Levitsky e Ziblatt, falharam ao permitir a candidatura e a consequente eleição de Trump. O fato, porém, é que os partidos políticos têm um importante papel de filtragem – lá, como aqui – e não podem abdicar dele. Mesmo quando se trata de eleições municipais, esses vetores devem ser pesquisados. Vereadores podem vir a ser presidentes um dia.