ARACAJU/SE, 18 de maio de 2024 , 10:53:00

logoajn1

Os ataques aos advogados e ao direito de defesa

Napoleão Bonaparte ameaçava cortar a língua do advogado que a utilizasse contra o governo, enquanto Dick, o açougueiro na peça Henrique VI de Shakespeare afirmava sem cerimônia que “a primeira coisa a fazer é matar todos os advogados”.

A advocacia sempre foi perseguida em razão de sua postura incômoda e temida por todos os regimes autoritários e de exceção, não sendo diferente no Brasil, nas mais diversas quadras de nossa história, existindo inúmeros casos de abusos ao pleno direito de defesa, todos de triste memória. Infelizmente questões que deveriam ficar em um passado remoto, voltaram com força nos dias atuais, especialmente no cenário pós-pandemia e com a plena informatização dos tribunais, passando a se reproduzirem com assustadora frequência.

Em plena democracia, ainda que infante, considerando que nossa Constituição Federal completou 35 anos de vigência (sendo alterada por 131 Emendas Constitucionais), voltamos a conviver com uma maré montante de autoritarismo judicial, decorrente da prática de atos judiciais autocráticos e inconstitucionais, partindo principalmente da Suprema Corte que neste aspecto dá um péssimo exemplo para as instâncias inferiores.

Advogados passaram a não ser recebidos, a não ter a oportunidade de serem ouvidos para apresentarem memoriais das causas em que atuam, tudo em nome de uma eficiência cega e irracional. Os julgamentos estão ocorrendo de forma prioritariamente virtual, a presença do advogado passou a ser dispensável e o uso da palavra nas sessões de julgamento está sendo repelido, negado ou coarctado pelos julgadores.

O direito à realização de sustentação oral sempre foi respeitado e assegurado até mesmo em estados de exceção como o Estado Novo de Vargas e a ditadura militar de 1964-1985, está sendo vilipendiado diariamente em várias cortes de justiça. Merece registro que os tribunais militares como o Superior Tribunal Militar, aplicando a antiga Lei de Segurança Nacional, nunca suprimiram o direito de o advogado ir à tribuna e naquele território sagrado deduzir as principais teses jurídicas, apontar os fatos relevantes, debater as questões importantes que estão ao derredor da causa posta em julgamento.

Eis que em plena era democrática, o avanço tecnológico e o encurtamento das distâncias nos julgamentos sejam utilizados como fundamentos contrários ao direito de defesa e não ao seu favor.

Estarrecedor que o advogado mesmo acompanhando as sessões de julgamento (com presença física ou virtual), solicite pela ordem o uso da palavra, evoque a Constituição Federal e a Lei (Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/94) requestando a oportunidade de promover sustentação oral e tenha seus pleitos negados, inclusive com o insustentável argumento de que os Regimentos dos Tribunais Superiores não preveem sustentação oral para o julgamento de determinados recursos.

A situação chegou a um patamar tão grave de menoscabo que o presidente do TSE – Tribunal Superior Eleitoral, Min. Alexandre de Moraes, ao ter expresso pedido formulado por advogado para promoção de sustentação oral durante sessão de julgamento afirmou não ser possível em razão de vedação regimental, mesmo o advogado argumentando acerca da vigência da Lei nº 14.365, de 2 de junho de 2022 que inseriu o art. at. 7º, § 2º-B no Estatuto da Advocacia e da OAB que assegura o direito à sustentação oral quando do julgamento de Agravo em Recurso Especial ou Agravo em Recurso Extraordinário tramitando perante o STJ, TSE e STF.

Qualquer estudante de direito sabe que um Regimento Interno de um Tribunal não tem o mesmo valor e hierarquia de uma Lei Federal, notadamente quando esta norma é especial em detrimento de norma geral e ainda regulamenta uma cláusula pétrea constitucional inerente ao estado democrático de direito, como a ampla defesa.

Evidente essa conclusão, menos para o Presidente do TSE que ainda usou de um tom debochado para dizer que a negativa iria render uma nota de repúdio da OAB e que ele estava acostumado com referidas manifestações do órgão de classe da advocacia.

Em outras palavras, essa postura de pouco caso, em tom de galhofa, do Presidente do TSE, busca na verdade passar a seguinte mensagem: o que a advocacia e a sociedade brasileira pensam sobre a vigência da lei, direito de defesa e funcionamento de uma corte superior, pouco importa. Vou continuar agindo com arbítrio, solapando a Constituição Federal e às Leis, repetindo heresias do tipo “a ausência de previsão no regimento de sustentação oral em agravo regimental” é suficiente para negar vigência a uma Lei Federal, pois para a Corte o regimento interno é mais importante que a lei (essa alegação partindo de um constitucionalista e professor do Largo do São Francisco é de corar frade de pedra).

O pior é que esse exemplo oriundo de uma Corte Superior, capitaneado por um Ministro do STF, tem o poder de se espraiar, irradiando-se rapidamente por todo o judiciário, permitindo que todos os dias os advogados se deparem com violação de suas prerrogativas profissionais, em um espetáculo dantesco de espezinhamento das garantias essenciais, menoscabo a ampla defesa e agressões ao devido processo legal.

É espinhosa a luta, árdua a jornada, longo o caminho a ser percorrido no enfrentamento ao crescimento das arbitrariedades, sempre fundadas em discursos utilitalistas, evocando a celeridade e economicidade processual como justificativas.

Qual celeridade legitima suprimir o direito de defesa, que eficiência é essa nos julgamentos em que o réu não tem a oportunidade de ser ouvido por intermédio de seu advogado, qual o utilitarismo que autoriza um julgamento completamente injusto, desigual e sem ampla defesa?

Essas perguntas devem ser respondidas pelo Supremo Tribunal Federal em uma decisão colegiada e com efeito erga omnes, demonstrando uma vez por todas que não é o voluntarismo de um salvador da pátria de plantão que legitima o funcionamento dos tribunais, que devem ter uma postura contramajoritária e de altivez, valendo-se de suas prerrogativas constitucionais.

Todas essas dificuldades embora entristeçam à advocacia não podem fazer esmorecer os advogados. É da natureza daqueles que se dedicam ao direito de defesa não se intimidarem, não se resignarem e tampouco aceitarem viver sob o tacão autoritário de quem quer que seja.

A luta pela defesa das prerrogativas do advogado é uma luta por cidadania, consiste em uma luta na defesa de todos, pois amanhã você pode ser réu em um tribunal e necessitar que seu advogado seja ouvido, que as garantias fundamentais sejam respeitadas, que as conquistas civilizatórias venham a ser criteriosamente observadas, vedando-se julgamentos de exceção.

É preciso travar essa batalha em favor da ampla defesa de forma insistente, com coragem, tirocínio e força, pois só assim esses gestos autoritários serão superados um dia. Cabe aos advogados, àqueles que no dizer de Pietro Calamandrei são “as supersensíveis antenas da justiça” se posicionarem de forma clara e direta, postando-se do lado contrário onde se situa o autoritarismo, ainda que tenhamos que lembrar as lições de Chrétien-Guillaume de Lamoignon de Malesherbes, grande jurista francês e advogado de Luís XVI no julgamento que o conduziu à bastilha e à guilhotina. Tinha sido ministro do rei e foi o seu defensor, sabia que teria que enfrentar a opinião pública e os jacobinos sedentos de sangue e punição a qualquer preço. Ele começou a defesa perante a corte francesa, dizendo o seguinte: “Trago à convenção a verdade e a minha cabeça. Poderão dispor da segunda, mas só depois de ouvir a primeira”.

Vamos à luta acreditando que dias melhores virão e que o direito de defesa, quiçá um dia, possa ser efetivo em todas as instâncias e tribunais do país.