Somos cônscios de que a renúncia é imprescindível para a nossa jornada rumo ao Céu; para esta íngreme subida que, grandemente, nos exige e que carece de estarmos leves de nós mesmos e prenhes da graça suficiente. Mas, quais são as disposições interiores para a vivência de uma renúncia perfeita?
O livro da Sabedoria instrui-nos de que o homem, em si mesmo, carece de forças interiores para designar algo, seja para si seja em relação ao que é alheio a si. “Mal podemos conhecer o que há na terra e com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos” (Sb 9,16). Se por nós temos esta dificuldade, vem em nosso auxílio a sabedoria de Deus – a sabedoria que é Deus – para fazer-nos discernir o nosso próprio ser e o que nos rodeia. Sim, a sabedoria – como um dom do Espírito divino – perscruta-nos, sonda-nos e conhece-nos (cf. Sl 138,1). Conhecendo o nosso íntimo, conhece as nossas veredas (cf. Sl 138,23): o que trilhamos e o que trilharemos. Logo, para que renunciemos com perfeição, é preciso um abandono total à providente sabedoria de Deus, que nos faz enxergar as coisas segundo o Seu desígnio benevolente. Somente pelo olhar da fé, entrevemos tudo como Deus vê: “Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses sabedoria e do alto lhe enviasses teu santo espírito?” (Sb 9,17).
Diante da ignorância conatural ao homem – que passa como o sono da manhã, e é igual à erva verde pelos campos (cf. Sl 89,5-6) – percebemos o quão pequeno somos. E, se queremos responder ao plano de santificação ao qual Deus nos vocaciona, devemos galgá-lo conjugando sabedoria e renúncia. Caso contrário, corremos o risco de, desapegando-nos, num primeiro momento, do que gostamos, do que nos é prezado, não vendo a renúncia como ato consciente, como uma violência interior, retrocedermos, cedendo ao vento das paixões, saudosos do que deixamos para trás, mas, na realidade, não deixamos. Não se renuncia no calor da emoção! Voltaremos a falar sobre isto daqui a pouco, quando tecermos sobre a prudência.
O renunciar corre sérios riscos diante de uma mentalidade que se instalou pelo relativismo que apregoa que opções perenes, duradouras, comprometedoras para toda uma vida, são impossíveis. De que, não obstante o prometido, diante de uma crise, o que se deve fazer é “pular fora”, é “virar a página”, é “mudar de rumo”; ou mesmo fazendo fé em planos alternativos… Tais pensamentos nocivos são alimentados pelo instantâneo, pelo impulso momentaneamente sentimental que rege o agir e a relação de muitos. Para a renúncia, ao lado do abandonar-se à sabedoria, são também cabíveis a coragem e a perseverança.
“Quem põe a mão no arado e olha para trás – disse o Senhor noutra passagem – não pode ser meu discípulo” (Lc 9,62). E é interessante esta imagem que Jesus nos apresenta e que recordamos agora: quando, com um arado, se lavra a terra, o olhar para frente é necessário para que os sulcos feitos não fiquem tortos, comprometendo o resultado da colheita. Esta ideia do arado, coligada com as parábolas da construção da torre e da guerra (cf. Lc 14,28-33), fala-nos da prudência. Logo, antes de dizermos o nosso sim, calculemos prudentemente. Não confiando em nossas contas (logicamente humanas), mas, com a consciência de quem somos, confiramos de que Deus, diante do nosso sim generoso, por primeiro, faz a Sua parte: Ele é a “prova dos nove” das exatas que são a nossa vida Nele. Pois, a misericórdia de Deus, o Seu amor, é a Sua sentença justa; é o Seu “axioma”. Logo, entendemos que a prudência – como virtude-eixo para o nosso agir; iluminada pela fé que nos faz conhecedores de Deus e de nós mesmos – dispõe a nossa razão prática a ponderar, a discernir, em qualquer circunstância, o verdadeiro bem e a optar pelos meios adequados a realizá-lo, não se deixando guiar pelo medo, timidez, duplicidade ou dissimulação, mas, coerentemente, evitando o mal, pleiteando a salvação, bem maior (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1806).
Abandono à sabedoria de Deus, coragem, perseverança e prudência: eis as quatro atitudes para a vivência de uma renúncia perfeita. Assim, compreenderemos, antes mesmo de abraçar o chamado à cruz (um dever que recai sobre todos os fiéis), que renunciar é deter posse das coisas do mundo sem ser por elas detido no mundo.