ARACAJU/SE, 24 de abril de 2024 , 19:59:24

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Quarenta dias de muita luta ou uma vida inteira?

A dinâmica pedagógica dos quarentas dias do tempo quaresmal, pela sua duração, faz-nos recordar, dentre tantos outros eventos apontados pela Sagrada Escritura, da tentação sofrida por Jesus no deserto, após ser batizado por São João Batista no rio Jordão.

O mistério da iniquidade, que entrou no mundo pela falta de um só (ou seja: pelo pecado de Adão: Rm 5,15) e que culmina com a morte do homem, privação da eternidade, mesmo vencido pelo mistério da cruz de Cristo, deseja-nos enredar pelas tentações. Assim como o próprio Senhor foi tentado no deserto e como os nossos primeiros pais no Éden (cf. Gn 3), no deserto do mundo travestido em jardim de ilusões, também somos tentados, porque, das tentações, não somos isentos. Por isso, o próprio Jesus, ao ensinar-nos o Pai-Nosso, ensinou-nos a dizer: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal” (cf. Lc 11,4). Perceba, caro leitor, que o Senhor não põe em nossos lábios um pedido para que nos sejam afastadas as seduções do maligno; e sim, que, nelas, não caiamos, visto que nem Jesus foi isento de enfrentar o diabo e suas propostas indecorosas à vontade de Deus.

Porém, uma pergunta pode surgir: por que Jesus foi tentado? Santo Tomás de Aquino, falando-nos de como era apropriado querer Cristo ser tentado, apresenta-nos quatro motivos: o primeiro: para que Ele pudesse assistir-nos em nossas tentações; para isso, o Aquinate traz o pensamento de São Gregório: “Que o nosso Redentor, que veio à terra para ser morto, quisesse ser tentado não é indigno dele. Era, de fato, justo que Ele vencesse as nossas tentações pela Sua própria, do mesmo modo que Ele veio vencer a nossa morte pela Sua morte”; segundo: para alertar-nos que nenhum homem, não importa quão santo for, deve pensar que está salvo e livre de tentações; e, para provar o que diz, Santo Tomás alega Santo Hilário: “O demônio prepara os seus ardis especialmente para os momentos em que nós acabamos de ficar santos, porque ele não deseja outra vitória senão a vitória sobre o mundo da graça”; terceiro: para dar-nos um exemplo de como nós devemos vencer as tentações do demônio; quarto: para preencher e impregnar nosso espírito com a confiança em Sua misericórdia.

O consentimento à toda e qualquer tentação é uma vã e fracassada iniciativa de querer ser como Deus (cf. Gn 3,4-6). Quando, porém, consentimos à graça e, nela, perseveramos – ou seja, quando repelimos de nós as propostas diabólicas –, porque mergulhamos no Seu insondável desígnio de amor e santidade, tornamo-nos como Deus. E isto porque Deus fez-Se um de nós para fazer-nos participantes de Sua divindade. Cedendo às tentações, damos um passo de retrocesso, grave e perigoso, saindo, simultaneamente, para a ilusão e a desilusão: enquanto a ilusão fantasia e mascara o mal como realidade falsamente boa, o fato da queda faz-nos sentir a amargura de ter perdido Deus e a vergonha de ver exposta e ridicularizada a nossa humanidade, criada e redimida por nosso Senhor. E nisto, repete-se em nós o que sucedeu com Adão e Eva quando contraíram o pecado original: vendo a sua nudez, insucedidamente, quiseram remediá-la. Sim, sem sucesso, porque remédio ideal se dá unicamente pelo revestimento da graça que Cristo nos trouxe com a Sua cruz redentora.

Como Cura de almas, pastor da Igreja, diante das tentações consentidas e repelidas, conclamo-lhe, estimado fiel, a que se permita abraçar-se e revestir-se pela graça de Cristo restituída pelo Sacramento da Confissão. Sempre é oportuno receber o perdão de Deus, sobretudo pela Quaresma. A Confissão, ao habilitar-nos na graça divina, não apenas perdoa o que de errado fizemos, como previne-nos do pecado, fortalecendo-nos na resistência aos embutes do mal. E assim, com uma vida agradável ao Senhor, preparar-nos-emos, com maior dignidade, para a celebração da Santa Páscoa de Cristo, bem como para a nossa páscoa eterna.