ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 5:49:35

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Sursum corda!

Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)

Sempre cativou-me a ligação figurativa existente entre oração (e, consequentemente, fé) com a subida. Em muitas passagens do Evangelho, quando queria mergulhar em oração, vemos que o Senhor procurava o ermo de lugares altos para dirigir-Se ao Pai no Espírito Santo, ainda que esta atitude de subir não tenha sido somente uma prática de Jesus, tal como podemos verificar noutras páginas da Escritura.

Quando estamos para iniciar o ponto central da celebração da Santa Missa, a Oração Eucarística, anterior ao prefácio, temos um diálogo bastante interessante entre o sacerdote e a assembleia: logo após saudá-la, o sacerdote faz um convite muitíssimo interessante, marcado pela exortação e pela obviedade: “Corações ao Alto!”, ao que o povo responde: “O nosso coração está em Deus!”.

“Sursum Corda!” – Corações ao Alto. Eis o movimento que designa a oração: um dirigir-se Àquele que é o Altíssimo, e que, para alcançá-Lo, faz-se necessário que nos desinstalemos de nós mesmos; que nos desvencilhemos do que é daqui de baixo, do que nos impulsiona a que desçamos e nos apeguemos ao que nos impede de subir. Neste sentido, podemos extrair de São João Damasceno um conceito mais elaborado: “A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes” (Expositio fidei, 68). É com esta apreciação feita por tão profícuo Doutor da Igreja que o Catecismo da Igreja Católica continuará a tratar a oração como um dom de Deus. E, antes de apresentarmos o que o Catecismo afirma, notemos que, assim como a fé, a oração, fruto da fé, é dom. E o Catecismo, para esclarecer, indaga: “De onde é que falamos, ao orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das «profundezas» (Sl 130,1) dum coração humilde e contrito?” (n. 2559).

Mais uma vez, retomemos a ideia de movimento: para subir a Deus, é necessário descermos de nós mesmos (se é que em nós próprios existe alguma altura segura). Pela humildade que o abandono da fé nos inspira, descemos, e por esta mesma humildade subimos, perseguindo Aquele que é necessário, que nos chama a Si no topo da verdadeira montanha, a Sua morada, para, ali, respirarmos o ar puro e fresco do Espírito Santo que ora em nós, mas que nos fortalece a tal escalada, pois, “A humildade é o fundamento da oração” (Ibidem). A oração é, enfim, um instante arrebatamento da alma a Deus na Sua morada eterna.

Inspirados em Moisés (cf. Ex 17,8-13), temos um duplo sentimento de cansaço: o produzido pela subida e o causado pela constância. Rezar constantemente, tal como demonstrou Jesus como necessidade de nossa parte (cf. Lc 18,1) – Ele que sempre rezava para também nos exemplificar –, é uma atividade cansativa e esgotante. Cansativa, porque nos faz esperar, mas não com uma expectativa conformada pela imobilidade do coração; antes, uma expectativa perseverante e ansiosa, repetitiva, que importuna Deus (este mesmo Deus que nos ordenou: “pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe abrirá” (Lc 11,9-10). Este Deus, que sendo bom, faz-nos justiça bem depressa (cf. Lc 18,8). Este Deus, que não despreza o nosso grito: “Clamo por vós, meu Deus, porque me atendestes; inclinai vosso ouvido e escutai-me” (Sl 16,6). E isto cansa. Quando dizemos esgotante, é referindo-nos ao fator de que devemos, em cada encontro com Deus, esvaziar-nos dos nossos planos esquadrinhados ao nosso grosso modo para que nos coloquemos, de maneira livre e generosa, ao dispor da divina providência: “Quero o que quiserdes, porque o quereis, como o quereis, e enquanto o quereis” (Oração universal atribuída ao Papa Clemente XI).

Entretanto, também podemos caracterizar o movimento da subida como uma realidade ansiosamente prazerosa, pois, enquanto ascendemos, mais nos achegamos a Deus, e, Nele confiando, somos certos de que não seremos desiludidos (cf. Is 28,16; Rm 9,33). Assim, entendemos que subir pela oração é amar, pois ninguém faz grandes esforços se grande não for a finalidade do amor; e o fim do nosso amor é o próprio Deus, que nos ama por primeiro.

“A oração do justo tem grande eficácia” (Tg 5,16). Rezar é a mais sublime atitude de amar; mas, não é a única, exige complementares. Desta maneira, no rol das obras de misericórdia, sabemos que grande bem fazemos quando rezamos pelos outros, e não apenas pensando em nosso benefício ou tendo na intenção tão-somente o que aflige o nosso interior. Enfeitemos as nossas preces com a nossa vida ilustrada pelas Escrituras, que nos ensina, argumenta, corrige e educa (cf. 2Tm 3,16-17). Uma oração embasada numa vida santa dá-nos mais “cartaz” diante de Deus, muito embora tudo o que Dele recebemos é por Sua misericórdia, já que os nossos méritos nada são diante do amor que Ele nos tem e nos concede. Uma oração embasada numa vida santa dá-nos mais credibilidade diante do próximo quando lhe vamos falar sobre Jesus, testemunhando-O. Então, vivamos, exigentemente, de acordo com a vontade Daquele a Quem rezamos. Subamos a Ele, rezando sempre, sem desistências; perseverantemente. Sursum corda!