ARACAJU/SE, 18 de maio de 2024 , 15:50:13

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Trinta e Cinco Anos da Constituição-Cidadã: a restauração democrática

Ao completar trinta anos em 05/10/2018, a Constituição-cidadã enfrentou o seu maior desafio: apesar de tão golpeada, ainda resistia aos ataques à estruturação normativa do Estado Democrático Social de Direito como promessa por se realizar. Havia uma expectativa de que as eleições gerais daquele ano pudessem ser o início da retomada da normalidade institucional democrática, refundando a legitimidade popular do sistema representativo após o golpe institucional de 2016.

Porém, o cenário era sombrio, no qual da grave crise política resultava apoio a uma candidatura presidencial que, assumidamente, rompia com todos os parâmetros de democracia, de dignidade, de pluralismo, de diversidade, de tolerância e respeito, princípios fundamentais da Constituição.

Essa candidatura sagrou-se vitoriosa e o que se viu na sequência foi exatamente o que se temia. Já no primeiro semestre de 2019, o novo governo determinou que fossem realizadas comemorações alusivas ao que absurdamente denominou de “Revolução” de 1964, por ocasião dos cinquenta e cinco anos do golpe militar (que dera ensejo a um regime político de terror, de repressão, de supressão das liberdades em geral), estimulou manifestações lideradas por segmentos da população na empreitada “contra o sistema” e “contra as instituições”, com pautas pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, dentre outras posturas de gestão e de retórica voltadas à tensão permanente contra as instituições democráticas.

O que veio a seguir, com a pandemia global do coronavírus, foi ainda mais terrificante: uma gestão governamental baseada no negacionismo científico e mesmo estímulo à proliferação do vírus e contaminação generalizada, colocando ainda mais em risco tantas vidas que se perderam e a saúde da população.

Em meio à grave crise humanitária, econômica, social e política, ficou evidente essa postura negacionista e anticientífica com que o Governo Federal, mais do que se omitir, boicotou a eficácia das necessárias medidas de prevenção e enfrentamento. Também deveria ter ficado evidente que a deposição do Governo – por vias democráticas, por exemplo, impeachment – era elemento fundamental para que se conseguisse minimizar os efeitos da crise e superar os obstáculos com a redução possível dos seus efeitos trágicos.

Isso não aconteceu por variados motivos (destaque-se a grave omissão do Congresso Nacional e do Procurador-Geral da República), e assim prosseguiu a sanha governamental golpista e de ruptura institucional, no contexto do qual foram realizadas as eleições gerais de 2022, marcada por uma tensa e radicalizada campanha do segundo turno, em que aumentaram exponencialmente as propagações de fake news, com ameaças ao regime democrático, ao sistema eleitoral e ao sistema de votação/apuração pelas urnas eletrônicas bem como as práticas de abuso de poder político e econômico que campearam, a despeito dos esforços de todo o sistema de justiça eleitoral, convocada a novos desafios.

Essa realidade atingiu o seu apogeu no dia da eleição, quando ficou clara a orquestração de operações da Polícia Rodoviária Federal com flagrante desvio de finalidade, cujo objetivo não declarado era evitar o comparecimento de eleitores e aumentar o índice de abstenções, para além de provocar tumulto e quiçá atiçar tomada de decisão pela excepcional extensão do horário da votação, que poderia ser posteriormente objeto de questionamentos de invalidade do pleito por esse motivo.

Mesmo com a proclamação dos resultados, a implícita aceitação e o reconhecimento pelo candidato derrotado e o início oficial da transição, a democracia formal foi desafiada com protestos que clamavam pela não aceitação do resultado democraticamente decidido pelo povo, protestos esses que incluíam a absurda pregação golpista por “intervenção militar”, realizados às portas de quarteis do Exército e que clamavam para que as Forças Armadas subvertessem seu dever constitucional para interferir indevidamente na atividade político-governativa.

Era a antessala da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, em que vândalos invadiram os prédios sede dos Poderes da República, com depredação de portas, janelas, vidros e destruição de bens em seus interiores, inclusive obras de arte de valores inestimáveis, muitas das quais foram objeto de doação por governos estrangeiros, com pregação e intento golpista e com fortíssimos indícios de complacência e omissão criminosas de autoridades da segurança pública do Distrito Federal e também do Exército, da Guarda Presidencial e do Gabinete de Segurança Institucional, e que caracterizou em tese a prática dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado com deposição violenta de governo legítimo (alguns dos acusados já estão com julgamento iniciado pelo STF), verdadeiro ápice de toda essa cruzada golpista que se instalou contra a democracia nos últimos cinco anos.

Nesse cenário, ao completar trinta e cinco anos no próximo 05/10, a Constituição-Cidadã tem muito a comemorar, pois a difícil e sofrida resistência aos ataques antidemocráticos tão radicais e violentos, no que parecia ser mesmo o seu epitáfio, traduz que esse é o ano de sua restauração democrática; ao mesmo tempo, essa comemoração precisa levar em conta o seguir adiante, com a permanente vigília contra ataques dessa natureza – pois os extremismos políticos golpistas permanecem na espreita esperando novas oportunidades de vir à tona – como também a luta pela efetivação de sua promessa de construção de um Estado Democrático Social de Direito, com participação popular e social efetiva na gestão democrática das políticas públicas e pautado na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas dimensões.