ARACAJU/SE, 4 de maio de 2024 , 16:57:56

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A Lei 8.437, de 1992, e o presidente de tribunal

Vladimir Souza Carvalho

A Lei 8.437, de 1992, a dispor, unicamente, acerca da concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, ficou lá atrás, bem escondida. Constituída apenas de quatro artigos, deve ter dado um trabalho danado ao legislador do vigente Código de Processo Civil no que tange o seu aproveitamento, no todo ou em parte, preferindo este, por questões de acomodação, adotá-la em sua inteireza, o que fez via do art. 1.059, das disposições finais e transitórias, deixando bem claro que à tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1º a 4º da Lei 8.437, no que aproveitou, também, o art. 7º, § 2º, da Lei 12.016, de 2009.

Na dificuldade de trazer para seus dispositivos os mencionados artigos, fez uma adoção geral, aproveitando todos, não deixando nenhum de fora, a fim de evitar os ciúmes que, nessas horas, pode bater no coração dos rejeitados. Não seria adequado provocar cisma dentro de um diploma de quatro artigos. O art. 1.059, do Código de Processo Civil, foi sábio neste aspecto, abraçando a Lei 8.437.

O traço que me desperta curiosidade se prende ao fato de se colocar nas mãos do presidente de tribunal a tarefa de suspender a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes. Afastado das turmas, sem contato, no dia a dia, com qualquer recurso, o art. 4º, da Lei 8.437 colocou em suas mãos essa autêntica batata quente. No entanto, não o deixou livre como pássaro solto em floresta, indicando, em poucas palavras, o espaço no qual pode se movimentar, traduzido no manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, prendendo um ou o outro para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e a economia públicas.

Dois caminhos. Um, do manifesto interesse público, ou seja, não é só do interesse público, mas do interesse público qualificado, isto é, do manifesto, de modo a não deixar a menor dúvida, interesse público escancarado no sentido de ser prejudicado caso a medida cautelar seja executada. Não é qualquer interesse público, portanto. O outro, mais simples, na flagrante ilegitimidade, evidentemente, do autor da demanda, por não ter conexão com a medida em apreciação, não apresentando o mesmo e fechado contorno do manifesto interesse público.

Não fica só aí. O art. 4º fecha o minúsculo espaço, ao estatuir, que, além do manifesto interesse público – trabalhemos com esse primeiro caminho -, a suspensão da medida cautelar visa evitar quatro lesões, em sua inteireza, respectivamente, à ordem, à saúde, à segurança e a economia públicas. O nó maior aí repousa, impávido e colossal. O adjetivo públicas, no plural, abarcando à ordem, à saúde, à segurança e à economia, e, ademais, qualificando a lesão de grave, de maneira a deixar bem assentado que não é qualquer lesão, mas uma lesão grave, que, ao mesmo tempo, numa só momento, atinja à ordem à segurança, à saúde, à segurança e à economia públicas, de modo uniforme, causando a medida cautelar grave lesão em todas as quatro, uma por uma, a justificar que, a bem do manifesto interesse público, para evitar a ocorrência de tais graves lesões, a medida cautelar contra o Poder Público ou seus agentes, decretada em primeiro grau, não seja executada, no que, por força do art. 4º, da Lei 8.437, cabe ao presidente do Tribunal suspendê-la.

A suspensão de liminar, seja na terminologia ultrapassada da Lei 8.437 e na Lei 12.016, seja na denominação de tutela provisória, de urgência ou de evidência, dentro dos contornos do Código de Processo Civil vigente, por parte da Presidência de tribunal, não é operação simples, espécie de feijão com arroz, nem poderia ser, não só porque o presidente de tribunal é um estranho na condução do feito/recurso,  se vendo obrigado, de repente, a apreciar pedido de suspensão de liminar, adentrando no mérito de uma decisão que, pela sua abrangência e, quiçá, pela urgência, o Poder Público, em lugar de procurar a via recursal própria, prefere optar pelo pedido de suspensão a presidência da Corte, que, justamente por isso, para evitar decisões desfundamentadas, mercê de pressões ocultas, a Lei 8.437 traçou uma trilha para ser percorrida pelo presidente, tim por tim, não se justificando a referência genérica, pela exigência de ultrapassar passo a passo, de acordo com os requisitos traçados no art. 4º, para, por fim, poder ser aceita como manifestação imposta pela norma, convencendo todos, seja qual for a sua conclusão.

Não é algo para qualquer despacho. A lei apontou longo itinerário a ser palmilhado, cercando as partes das garantias devidas de que a presidência do tribunal, ao enfrentar o pedido de suspensão da liminar, está preso à lei, porque, fora da lei não há espaço para nenhum argumento.

Há uma verdade que deve ser dita: o art. 1.059 tornou a Lei 8.437 mais conhecida.