ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 8:58:42

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A morte sem pena

Ernest Johnson foi condenado à morte por meio de injeção letal. Em 12 de fevereiro de 1993, durante um assalto a uma loja de conveniência de um posto de gasolina, no Missouri, ele matou três pessoas. Usou um martelo, uma chave de fenda e uma arma de fogo. A defesa alegou que ele não tinha sanidade mental, mas foi derrotada. 

Em 2008, foi descoberto que ele portava um tumor atípico e maligno no cérebro. Johnson foi submetido a uma cirurgia que removeu entre 15 e 20% do seu tecido cerebral. Isso o deixou com sequelas permanentes, dificuldades intelectuais e epilético. Ainda assim, o tumor persistiu.

Em 2014, foi emitido o mandado de execução dele. Pouco antes de ser cumprido, a defesa de Johnson informou ao juízo distrital federal que, em função de seu peculiar quadro de saúde, o pentobarbital a ser nele injetado provocaria uma dor extremada, excruciante. Fez, por isso, um pedido inusitado: ele já não suplicava para não ser morto pelo Estado, mas para morrer de um modo não cruel. Apoiou-se na Oitava Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que prevê que não serão infligidas “punições cruéis e incomuns”. Portanto, ele não deveria ser executado com essa substância, mas com nitrogênio em gás, método também constante da legislação estadual. 

A primeira instância afastou a pretensão, em maio de 2017. Ele recorreu ao Tribunal Federal do 8º Circuito. O pedido foi concedido, em agosto de 2018. O Estado não se conformou e levou esse debate para a Suprema Corte, em janeiro de 2019. 

Ocorre que, enquanto esse insólito processo caminhava, corria em paralelo uma outra disputa sobre a pena de morte e o sofrimento de um condenado. Em abril de 2019, a Suprema Corte decidiu, no caso Bucklew versus Precythe, também do Missouri, que o uso de gás nitrogênio não seria admissível, já que inédito e sem registro de uso eficaz. O juiz Neil Gorsuch, que redigiu a posição da Corte nessa ocasião, abriu a possibilidade de serem avaliadas alternativas. O juiz Brett Kavanaugh referiu o fuzilamento como uma opção para o condenado.

Por conta desse julgamento, o pedido do Missouri, no processo de Johnson, foi reenviado para o 8º Circuito, para ser analisado em conformidade com o novo precedente. Como a súplica de conversão da aplicação de injeção letal em uso de nitrogênio já estava protocolada e em trâmite, a defesa fez um desesperado acréscimo ao seu pleito inicial. Usando os fundamentos da decisão do caso Bucklew, pediu a execução por meio do esquadrão de tiro. Não foi atendida, contudo. Para o Tribunal Federal, a mudança de requerimento não poderia mais ser feita. Assim, como o nitrogênio estava vedado pela Suprema Corte e o pedido de fuzilamento foi feito fora do prazo, ele deveria receber a injeção de pentobarbital, doesse o que doesse.

Johnson foi à Suprema Corte suplicando para morrer sem agonia. Mas esta, em 24 de maio passado, tornou pública a posição de que nem sequer analisaria o mérito do pedido dele (caso Johnson versus Precythe). Para que isso ocorresse, ao menos quatro juízes teriam de concordar com a viabilidade de exame do pleito, mas apenas três anuíram. 

Em nome dos vencidos, a juíza Sonia Sotomayor disse que a decisão do 8º Circuito foi “um abuso”. Asseverou que a legislação federal admite que se acrescentem fundamentos novos a um pedido “quando a justiça o exige” e que “a justiça o exigia aqui”. Ela afirmou que “existem valores maiores que assegurar que execuções ocorram no prazo”. E, finalmente, falou que “nós não podemos continuar com a inflição de punições cruéis e inusuais simplesmente por conveniência”. Foi acompanhada pelos juízes Stephen Breyer e Helena Kagan.

Esses três magistrados foram indicados por presidentes do Partido Democrata, ao passo que os seis outros membros da Suprema Corte foram nomeados em gestões do Partido Republicano. Como a pena de morte é aplicada em muitos estados daquele país, a cada ano, muitos governadores são chamados a apreciar pedidos de clemência. Em alguns estados administrados por democratas, elas ocorrem menos raramente do que em outros, sob gestão republicana. Existe, nos dois partidos, uma razoável diferença de leitura política sobre como deve ser tratada a matéria. O presidente Joe Biden, que é democrata e católico, defende que não haja pena de morte nos Estados Unidos. 

Os que concordam com a pena de morte costumam levar em conta o que passaram as vítimas. Os que divergem, ponderam razões de superioridade moral do Estado sobre o criminoso. Do prisma estritamente jurídico, cabe a pergunta: se existe uma vedação constitucional de crueldade, por que, ainda assim, esse tipo de sofrimento é imposto? Johnson poderá ser executado porque existem punições capitais sendo cumpridas com a certeza de que o condenado sofrerá as mais atrozes dores, com a conivência do sistema judiciário daquele país.