ARACAJU/SE, 4 de maio de 2024 , 13:32:47

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A sentença na Lei 8.429/92

Por quatro vezes, a Lei 8.429, de 1992, abre espaço para a sentença, duas no art. 17, através dos § 10-B, inc. I, e § 11; outra, no art. 17-C, caput, e, finalmente, no art. 18.

No primeiro caso, § 10-B, inc. I, apresenta seu caráter prático, fixando seu momento depois da contestação, ouvido o autor, se for o caso, procedendo o juiz o julgamento conforme o estado do processo, observada a eventual inexistência manifesta do ato de improbidade, extinguindo o feito, com resolução do mérito, para julgar improcedente a demanda. Nos autos, a esta altura, deve conter a prova documental apta a evidenciar a inexistência de improbidade. Se paira dúvidas ou necessidade de produção de provas, há de se bater em outra porta, por falta de espaço no aludido § 10-B.

No segundo, quase um repeteco do parágrafo anterior, o § 11, a apregoar que em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a demanda improcedente. O horizonte aqui fica mais largo, por não se circunscrever apenas ao átimo que segue a contestação. Agora é em qualquer momento, estando o juiz convicto da inocorrência de improbidade, julga a ação improcedente. Evita-se perda de tempo quando o julgador já está trescalado pela convicção da inexistência de improbidade.

No terceiro, conforme o art. 17-C, a sentença aludida é, seguramente, a condenatória, preocupando-se a norma em apontar os requisitos em sete incisos, desdobrado o inc. V em sete alíneas, no que a decisão terminativa deve se tornar em verdadeira operação de guerra, tim por tim para observar e cumprir, evitando sua nulidade pela instância revisora, à mingua de faltar algum requisito.

De todos os dispositivos atinentes à sentença, este é o mais importante, se justificando pelo grande número de decisões condenatórias que sobrevoavam o fato tido como ímprobo, sem descer do alto para dissecá-lo e cotejar as provas devidas, muitas vezes se espelhando em relatório de órgão federal, sem a preocupação de ir além do que consta desse e da inicial. Daí o rol de exigências disso e daquilo, sobretudo na aplicação das sanções em seis alíneas do inc. V, a fazer o papel de raiz que enlaça o fato, depois de confirmado pela prova, à cada sanção, esquivando-se o exagero de  pesadas penas aplicadas, quando o fato, por si só, não justifica, exigindo, do julgador, agora e  doravante, o exame de uma série de fatores, no que lembra a fixação de pena no processo penal. Necessário, sempre e sempre, a fundamentação, seguindo à risca a norma constitucional.

O fato de o art. 17-C não aludir a sentença de improcedência, não significa que não possa o juiz  julgar improcedente a ação civil pública por improbidade administrativa, mesmo depois de concretada a instrução. Ter partido para uma instrução não sinaliza que a sentença será de procedência. Apenas que o feito, no azo em que se encontra, não proporciona o julgamento antecipado da lide para adoção de improcedência. É a falta da prova robusta da existência da improbidade, de modo a exigir das partes a especificação das provas que os litigantes pretendem produzir, iniciar a instrução, sem plantar na cabeça do demandado que a sentença será de procedência, mas, tão só, que, ainda, não há lugar para julgar antecipadamente improcedente a referida demanda.

Natural que partir o julgador para a instrução sinaliza que o feito, até então, não merece a sentença de improcedência. Ainda não há lugar para sobressalto porque a demanda não foi julgada, o que só ocorrerá quando findo o prazo para a instrução, circunstância que não retira do réu o receio ou a perspectiva de decisório desfavorável.

O art. 18 se encarrega de, pela última vez, fazer alusão a sentença, tornando obrigatório apreender o julgador as penas de ressarcimento dos danos e à perda ou reversão dos bens e valores ilicitamente adquiridos, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. Não é faculdade do julgador, mas obrigação. Se há danos – e as ações civis públicas de improbidade administrativa sempre são condutoras de danos ao ente público, quando em jogo condutas descritas nos arts. 9º e 10, e esses danos se evidenciam, e, independentemente de menção, – as duas penas já se fazem presentes.

A Lei 14.230/2021, responsável pelo colorido diferente dado a Lei 8.429, comparável a uma reforma na qual, do imóvel primitivo, pouca coisa restou de pé ou sobreviveu, foi essencialmente feliz pela nova arrumação conferida, procurando corrigir omissões antigas que proporcionaram decisões assinaladas pela filosofia de elevar a condição de alta e perigosa improbidade um fato, na essência, insignificante, como se devesse o julgador se utilizar de uma bala de canhão para matar uma formiga. Esperar do tempo a resposta positiva sobretudo nos feitos que já nasceram sob sua regência.

Membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas