ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 6:50:02

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Chamados a experimentar e anunciar

Quando tomamos as diversas passagens dos Evangelhos em que relatam a vocação dos discípulos, uma palavra marcante que se sobressai é o verbo ir, cujo sinônimo também poderá se associar o termo seguir.

O grande exemplo do que tratamos acima, caro leitor, temos quando João Batista, apontando o Cristo como Cordeiro Deus, impele a dois dos seus seguidores a irem atrás de Jesus porque se sentiram tocados pelo chamado divino (ainda que indiretamente), pela presença do Senhor ou pelo testemunho acerca dela (cf. Jo 1,35-37). Fazendo referência ao apontamento feito pelo Batista, Santo Agostinho faz uma reflexão bastante interessante acerca do prorromper de João ao identificar Jesus como “Cordeiro de Deus”. Diz-nos o Bispo de Hipona: “Cristo é o cordeiro por excelência, o único sem mancha, sem pecado; e não porque as suas manchas foram canceladas, e sim porque nunca as teve. O que significam estas palavras de João acerca do Senhor: ‘Eis o Cordeiro de Deus’? João não poderia ser tido como um cordeiro também? Não era um homem santo? Não era o ‘amigo do esposo’? Cristo é o cordeiro por excelência: este é o Cordeiro de Deus: porque unicamente pelo sangue deste cordeiro os homens puderam ser redimidos” (Comment. in Ioan., 7,5-6.14).

Aqueles dois sabiam que o testemunho de João não era à toa. João Batista é apresentado nos Evangelhos como alguém que vivia na expectativa daquele que viria e que era maior do que ele, do qual não seria digno nem de abaixar-se para desamarrar as sandálias (cf. Lc 3,16; Jo 1,15). E se João dava testemunho acerca daquele que viria, ao demonstrá-lo, os seus discípulos o abandonaram para seguir ao que João afirmava ser o maior. Não teria sentido para os discípulos continuarem com João se o Cordeiro de Deus, o ‘Prometido’ e ‘Esperado’ estava ali, diante deles. Naquele dia, não bastou um longo discurso do Batista, mas uma frase breve: “Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1,34).

O Evangelista João situa esta passagem como ocorrida às margens do Jordão, na cidade de Betânia. O Evangelho prossegue dizendo que Jesus sentiu que O estavam seguindo. Para Jesus não foi uma surpresa, ainda que, no relato de João, os dois que o seguiam eram os primeiros. Jesus já esperava pela eficácia do testemunho de João Batista. Ao perguntar-lhes “O que estais procurando?” (Jo 1,38), o Senhor não quer saber o motivo do seguimento (pois Ele bem sabia da motivação), mas quais são as perspectivas daqueles homens. Ao que eles respondem ao Senhor com uma outra pergunta: “Rabi, onde moras?” (Ibidem). As perspectivas dos dois que ali estavam diante de Jesus é a de permanecer com ele. Seguir não é mais uma atitude passiva, mas traz consigo a ação de permanecer com o Mestre. Mas, por que os discípulos o apelidam “Mestre”? Porque Jesus iria ensiná-los acerca das verdades eternas, as quais seriam o norte de suas vidas a partir de então.

“Jesus respondeu-lhes: ‘Vinde ver’. Foram pois ver onde ele morava e, nesse dia, permaneceram com ele” (Jo 1,39). Da vocação ao mergulho da experiência com o Senhor. A intenção real dos dois discípulos é evidenciada na fala de André a seu irmão Simão (que posteriormente seria Pedro, o ‘Príncipe dos Apóstolos’): “Encontramos o Messias” (Jo 1,41). Assim sendo, conseguintemente ao encontro com o Senhor, os que fazem a experiência com Ele recebem um cabedal de graças.

Agora, muito mais comovente do que a vocação de André e do discípulo desconhecido é a de Simão que também é relatada neste texto: “Jesus olhou bem para ele e disse: ‘Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas’ (que quer dizer: Pedra)’” (Jo 1,42). Vocação, termo cunhado do latim ‘Vocare’, designa chamar. Todos, assim como André, o outro discípulo, Pedro e nós fomos e somos continuamente chamados. Fomos, porque o primeiro chamado se deu quando o Senhor nos confiou a vida e, com esta, o compromisso da santidade. Somos, porque cotidianamente ele nos chama para junto de si através das diversas vocações específicas proporcionadas pelo estado de vida que possuímos. Pelo chamado do Batismo, adentramos na Igreja, cuja origem grega do termo é “ekklesía”, a “convocada”, a “eleita”, a “chamada”. Por fazermos parte da Igreja, somos povo de Deus, e, por isso, chamados a realizar, com a nossa vida, o projeto que o Senhor tem para toda a humanidade: a salvação.

A obra da salvação já está garantida pela vitória de Cristo na cruz. Caber-nos-á possuir a mesma atitude de André e afirmar para o mundo o resultado de nossa procura: ‘Encontramos o Cristo, esperança e salvação dos homens’. É do encontro com o Senhor, que procederemos com a Sua manifestação-testemunho ao mundo. Isto  também é fazer a vontade de Deus (cf. Sl 39,8a.9a) porque somos inteiramente vocacionados pelo Senhor. Ao respondê-lo, não nos pertencemos mais: “E, portanto, ignorais também que vós não pertenceis a vós mesmos? De fato, fostes comprados, e por preço muito alto” (1Cor 6,19-20). Já que não nos pertencemos mais, poderemos, tal como o profeta Jeremias, bradar: “Seduzistes-me, Senhor; e eu me deixei seduzir! Dominastes-me e obtivestes o triunfo” (Jr 20,7).

Que o bendito e contínuo chamado do Senhor nos interpele e nos inquiete. Que, diariamente, renovemos o nosso compromisso com Cristo, tal como Ele renova o Seu chamado em nós.