ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 22:42:16

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O jejum, a abstinência e a esmola

Na próxima quarta-feira, iniciaremos o sacro tempo quaresmal, com o qual, para as grandes festas pascais, preparar-nos-emos pela penitência do jejum, pelo desapego da esmola e pela prática intensificada da oração. Unir-nos-emos ao Cristo no deserto, onde, tentado por satanás, esteve em maior comunhão com Deus no pensamento daqueles a quem a Sua caridade iria socorrer, os desvalidos pecadores. Nesta nossa reflexão, desejo tratar com o meu estimado leitor sobre dois dos tripés da espiritualidade da Quaresma: o jejum e a esmola.

Na prática de sua fé, os cristãos são instruídos pelos pastores da Igreja, que, amparados pelo Código de Direito Canônico, ensinamos: “Estão obrigados à lei da abstinência aqueles que tiveram completado catorze anos de idade; estão obrigados à lei do jejum todos os maiores de idade até os sessenta anos começados […] A Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira Santa, memória da Paixão e Morte de Cristo, são dias de jejum e abstinência” (Legislação Complementar da CNBB aos Cânones 1251 e 1953).

Primeiramente, dentro das práticas penitenciais, designemos o que é abstinência, entendendo-a como a virtude moral que inclina uma pessoa ao uso moderado de comida ou bebida, ditada pela razão correta ou pela fé, para seu próprio bem-estar moral e espiritual. Como geralmente entendido, a abstinência refere-se a afastar-se de certos tipos de alimentos ou bebidas e pode ser realizada por uma pessoa espontaneamente ou pode ser prescrita pela lei eclesiástica, seja para a Igreja universal ou para certos territórios. No caso da Quarta-Feira de Cinzas e da Sexta-Feira Santa, trata-se de uma lei para toda Igreja. A abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação nesses dias da Sagrada Liturgia, é o que prevê o Código de Direito Canônico (cf. Legislação Complementar da CNBB aos Cânones 1251 e 1953).

Já o jejum, como obra de penitência especialmente recomendada pela Sagrada Escritura, ao lado da esmola, é uma prática de que impõe limites ao tipo ou quantidade de comida ou bebida. Para o dia de Cinzas, assim como para a Sexta-Feira Santa, “a lei do jejum permite apenas uma refeição completa por dia” (Constituição Paenitemini, III). Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino dirá qual a importância do jejuar. Explicita-nos: “Nós jejuamos por três razões: primeiro: para reprimir os desejos da carne […] querendo dizer que o jejum é uma garantia de castidade […] o que quer dizer que a luxúria perde seu calor pela privação de comida e bebida; segundo: para que o espírito possa alçar-se mais livremente à contemplação das coisas mais altas [completo: às revelações de Deus]; terceiro: em reparação pelos pecados. Esta é a razão dada pelo profeta Joel: ‘voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos’ (Jl 2,12). E eis o que Santo Agostinho escreve sobre o assunto: ‘O jejum purifica a alma. Eleva o espírito e faz com que o corpo se subjugue a ele. Torna o coração contrito e humilde, dispersa as nuvens dos desejos, apaga as chamas da luxúria e inflama a verdadeira luz da castidade’” (S. Th., II/II, q. 97).

Pelas penitências da abstinência de carne e do jejum, permitimo-nos que Deus corrija os nossos vícios, eleve nossos sentimentos, fortifique nosso espírito fraterno e nos garanta uma eterna recompensa (cf. Prefácio da Quaresma IV). Com o que nos despojamos, em renúncia, pelo jejum e pela abstinência, somos convidados ao socorro dos irmãos, vivendo a fraternidade sustentada pela caridade com a esmola. Quando nos privamos de algum bem para darmo-lo a Jesus dando-o a um pobre, Deus não fica aquém na generosidade, e, com gosto, perdoa uma parte da pena que merecemos por nossos pecados. Quanto mais dadivosos somos, cada qual segundo o seu haver, e quanto mais perfeita for a intenção com que fazemos a esmola, tanto maior dívida espiritual é-nos perdoada. O que dizemos da esmola corporal, aplica-se com maior razão à esmola espiritual, que tem por fim fazer bem às almas (principalmente àquelas do Purgatório), e, portanto, à glória de Deus.

Que as práticas quaresmais nos auxiliem no nosso despojamento para sermos mais fortes diante das tentações, enfim, sendo cada vez mais de Cristo como opção nossa de pertença a Ele.