ARACAJU/SE, 4 de maio de 2024 , 15:58:22

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O Judiciário e o fornecimento de remédios

Estamos diante de uma realidade espantosa, ao admitir, processar e julgar demandas calcadas apenas no art. 196, da Constituição, ainda que não apontado expressamente, sem o alicerce de nenhuma norma a ditar os passos a serem seguidos.

O número imenso de ações desse jaez levou o Supremo Tribunal Federal a apontar os requisitos que devem ser observados para que o pedido de fornecimento de fármaco e/ou de internamento hospitalar possa ser atendido. A prática do dia a dia legitimou a demanda, não tendo o legislador se preocupado em estabelecer uma diretriz prática, ficando os contornos de tudo entregues ao Judiciário, a estabelecer prazos para fornecimento de fármaco, geralmente exíguos a fim de a Administração Pública, em suas três esferas – União, Estados e Municípios – se movimentar, presa as despesas com a justificativa devida, pareceres médicos, jurídicos e financeiros, o que nem sempre se verifica na mesma proporção de tempo e de vida da pessoa que do remédio necessita.

Contudo, analisando o aludido art. 196, não se capta dele a obrigação do Estado de fornecer remédios, nem de internar pacientes em unidades hospitalares.

O texto do dispositivo em foco, visto e espremido, assegura o direito de todos à saúde, conceito por demais amplo, direito que é garantido mediante políticos sociais e econômicas, e, portanto, por meio das políticas sociais e econômicas se concretiza, devendo, obrigatoriamente, visar à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 

Todo esse arsenal de finalidades, a ser englobado pelas ações e serviços públicos de saúde, na dicção do art. 198, idem, se direciona ao serviço único de saúde [SUS], encarregado de executá-las, assentando-se, entre as diretrizes, no que aqui interessa, ao atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais, a teor do inc. II, do mencionado dispositivo.

Do que se extrai é que o Estado cumpre suas obrigações, no que tange ao conteúdo do art. 196, através desse sistema único de saúde, traçando a Carta Magna os percentuais atinentes a aplicação de cada esfera estatal, além de deixar a cargo da norma – lei complementar e lei federal [=ordinária] e lei comum algumas tarefas, como se colhe, no que tange a lei complementar o disposto no § 3º, do art. 198; e de lei federal, o § 5º, do mesmo art. 198; e de lei, por três vezes, no § 5º, do art. 198; no § 4º, do art. 199, e, por fim, no art. 200.

Conclui-se que a via normal, indicada pela Constituição, para o atendimento integral de todos pelo Estado, é através do SUS. Essa, a regra geral.

Aquilo que o SUS não pode atender, ou não consegue atender, – as situações são as mais diversas possíveis -, se situa na via excepcional, sem nenhuma previsão e respaldo constitucional, a papocar através de demandas, nas quais se busca amparo do Judiciário tendo por fim o fornecimento de medicamentos, os internamentos hospitalares, nos quais se situam o tratamento e a cirurgia, materializadas as concessões de tutelas antecipadas de urgência, tão rotineiras, ante a situação de emergência que cada moléstia exige ou que o estado de saúde da pessoa reclama, decisões sempre alicerçadas com a ameaça da multa, não se levando em conta que o ente público não realiza despesa sem a previsão de receita, estando todos os seus passos marcados pela burocracia, e, como um animal extremamente pesado, não se movimenta com facilidade, guiado pela segurança no que tange a realização de despesa que deve fazer, sujeita depois a prestação de contas compulsória, por força de norma constitucional. No Judiciário se concreta a exceção, acionado, quando as portas do SUS se fecham ou não oferecem  compartimento onde muitos pleitos procuram agasalhos, estando a responder aos pedidos formulados, na tramitação de feitos sem a luz de lei a alicerça-los.

Essas observações evidenciam a visão que a existência de um sem número de recursos me proporciona, apelos dos quais participo como relator e como membro de turma, vivendo no meio da angústia de quem pede. Na maioria das vezes só encontram esse caminho a fim de poder obter cura e viver sem o peso da moléstia. Em outro ângulo, testemunho a posição do ente público, que, além de todos os benefícios assistenciais que concede ao seu cidadão, desprovido de condições financeiras para curar a moléstia através do sistema de saúde único, colocado ao seu dispor, a fim de concretizar a determinação constitucional, assiste o julgador resolver situações tópicas, cada vez mais numerosas, na tarefa de encontrar espaço  no meio de pedras que a ausência de norma faz aumentar cada vez mais.

É a visão que, por ora, tenho.

Membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas