ARACAJU/SE, 26 de abril de 2024 , 4:02:50

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Os “defeitos” de Jesus

Diante da grande resposta oferecida por Jesus aos mestres da Lei e fariseus que O criticavam porque acolhia os pecadores – e ainda os acolhe pela contrição unida ao Sacramento da Penitência – e fazia refeição com eles – ao que o faz pela Divina Eucaristia, Remédio para os fracos (cf. Lc 15,2), temos três parábolas que iluminam o Evangelho que meditaremos a seguir (cf. Lc 15,1-32): a do pastor que se arrisca para resgatar a centésima ovelha, a da mulher que festeja por ter encontrado uma moeda dentre dez e a do filho pródigo. Para tanto, trago a reflexão do Cardeal vietnamita François Van Thuan que, pregando, no ano dois mil, um retiro para o Papa São João Paulo II e para toda a Cúria Romana, decidiu fazer uma conferência intitulada “E vós, quem dizeis que eu sou?: Jesus Salvador, única esperança”, em cujo interior trata de cinco “defeitos” de Jesus. Assim, apresento-lhes apenas três destes cinco “falhas” Daquele que é, em Si mesmo, perfeitíssimo.

Antes de falar dos “defeitos” de Nosso Senhor, o purpurado vietnamita faz uma grande confissão que resume toda a sua vida de santidade e de renúncia – haja vista os seus treze anos de cárcere pelo maléfico regime comunista, nove dos quais numa solitária. Diz Van Thuan, fazendo uma releitura de seu abandono em Deus: “Abandonei tudo para seguir Jesus, porque amo os defeitos de Jesus” (In: Testemunhas da Esperança, Ed. Cidade Nova, p. 28). E todos, conquistados pelo Cristo, somente fomos cativados por Ele porque também amamos os Seus defeitos, aspectos que nem sabíamos existir com tal nome: ‘defeito’ para falar de Sua misericórdia.

O primeiro defeito: Jesus não tem boa memória. E o Cardeal Van Thuan afirma, provando-nos a amnésia de Deus: “[…] A parábola do filho pródigo conta-nos que ele, no caminho de volta para a casa paterna, prepara-se interiormente sobre o que dizer: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um de seus empregados’ (Lc 15,18-19). Mas quando o pai o avista de longe, este já havia esquecido de tudo, corre a seu encontro e abraça-o. E, não dando tempo para a sua fala, dirige-se para os empregados, que estão desconcertados: ‘Ide depressa, trazei a melhor túnica e revesti-o com ela, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o novilho gordo e matai-o; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver’ (Lc 15,22-24). A memória de Jesus não é igual à minha; ele não só perdoa, e perdoa a todos, mas esquece até mesmo que perdoou” (In: Testemunhas da Esperança, Ed. Cidade Nova, p. 28). O Venerável Van Thuan ainda prova o esquecimento de Jesus com os episódios do diálogo de Jesus com Dimas, o Bom Ladrão, no Calvário (cf. Lc 23,42-43), e com a afirmativa de perdão que referencia à pecadora que banhava os pés de Jesus com o perfume (cf. Lc 7,47).

O segundo defeito: Jesus não sabe matemática. Neste sentido, fala Van Thuan: “Se Jesus tivesse sido submetido a um exame de matemática, talvez teria sido reprovado. É o que demonstra a parábola da ovelha perdida. Um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas se perde, e imediatamente ele sai à sua procura, deixando as outras noventa e nove no deserto. Reencontrando-a, coloca a pobrezinha nos ombros e carrega-a (cf. Lc 15,4-7). Para Jesus uma pessoa tem o mesmo valor de noventa e nove, e talvez ainda mais! Quem aceitaria algo deste tipo? […] Quando se trata de salvar uma ovelha perdida, risco algum, esforço algum faz Jesus se desencorajar. Contemplamos seus gestos cheios de compaixão, ao sentar-se junto ao poço de Jacó para dialogar com a samaritana, ou então, quando se autoconvida para ir à casa de Zaqueu! Que simplicidade a sua, simplicidade que ignora os cálculos humanos; que amor pelos pecadores!” (In: Testemunhas da Esperança, Ed. Cidade Nova, p.29).

Quanto ao terceiro defeito: Jesus desconhece a lógica, temos de Van Thuan: “Uma mulher tinha dez dracmas e perde uma. Acende, então, a sua lamparina para procurá-la. Quando a encontra, chama suas vizinhas e diz: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma que havia perdido’ (Lc 15,18-20). É realmente ilógico perturbar suas amigas por apenas uma dracma [em dias atuais o preço de uma diária de trabalho]! Depois, promove uma festa para comemorar o ocorrido! E tem mais: ao convidar suas amigas, gasta mais do que uma dracma! Nem mesmo as dez dracmas seriam suficientes para cobrir as despesas… […] Jesus, ao concluir essa parábola, revela a estranha lógica de seu coração: ‘Eu vos digo que, do mesmo modo, há alegria diante dos anjos de Deus por um só pecador que se arrependa’ (Lc 15,10)” (In: Testemunhas da Esperança, Ed. Cidade Nova, p. 29-30).

Fiquemos, hoje, com as três falhas de Jesus – não ter boa memória, não saber matemática; desconhecer a lógica – e nos sintamos atraídos por Ele, porque esta é a dinâmica de Sua bondade misericordiosa, que sempre está ao nosso dispor; basta que O queiramos! Não apenas admiremos os defeitos de Jesus em Sua Pessoa divina (mesmo porque estas falhas, tal como já dissemos, não diminuem a Sua Suma Perfeição, antes a enleva), mas as queiramos tê-los conosco, para que o nosso coração se assemelhe mais à largueza do Coração do próprio Deus.