ARACAJU/SE, 4 de maio de 2024 , 12:26:37

logoajn1

Os empregos apareceram no turismo, mas cadê eles?

Nesta semana, vamos descomplicar a economia de modo que possamos entender melhor o que aconteceu no período junino em que houve uma grande elevação de empregos, principalmente nos serviços de alimentação, bares e restaurantes. O emprego apareceu, mas cadê ele nas estatísticas?

Sergipe viveu um período extraordinário com as festas juninas, tendo uma grande movimentação de turistas ao longo dos meses de junho e julho. Desenvolvemos trabalhos de Inteligência de Mercado para entender o fenômeno, através do Instituto Fecomércio, para atender as demandas de três contratantes que pediram estudos complexos sobre o período.

Todos os estudos de Inteligência de Mercado que desenvolvemos na Fecomércio têm minha relatoria econômica, para a melhor compreensão do que se passa quando o trabalho de pesquisa, concentração, compreensão dos cenários, delineamento de fatores e análise que possam influenciar o que está sendo estudado no momento. O papel do economista é compreender os cenários variados que chegam ao resultado final, transformando-os em dados tangíveis e inteligíveis.

Nos estudos, pude perceber que houve sim uma elevação considerável no que diz respeito ao mercado de trabalho desses setores, que elevaram sua movimentação em alguns casos a mais de 50% de seu volume de vendas diante do mesmo período do ano passado, conforme os dados apurados em nossos estudos. Entretanto, os empregos não estavam lá registrados no CAGED, o que não me surpreende, nem causa estranheza.

Na identificação das demandas empresariais, o maior gargalo estava na contratação formal de trabalhadores. As pessoas que moram em comunidades mais deslocadas dos centros urbanos até mesmo na área “rural” de Aracaju, simplesmente não queriam ser registradas, nem mesmo como trabalhadores temporários. As pessoas que formam a força de trabalho nesses locais, segundo os empresários e até mesmo os próprios colaboradores dos negócios, se recusavam a assinar a carteira, porque seria por prazo determinado. Existe uma razão para isso?

Sim, existe. A maioria dessas pessoas que conseguiram um trabalho temporário nos bares, restaurantes e até mesmo no comércio varejista de vizinhança é dependente ou beneficiária de programas sociais. E ao terem seu contrato de trabalho registrado, automaticamente perdem o benefício, a exemplo do Bolsa-Família. O que leva os trabalhadores a não aceitarem nenhuma formalização de seu trabalho. Como fica o empreendedor nesse momento? Nega a contratação e fica sem força de trabalho diante do aumento do volume de vendas de seu negócio? Não tem como. Vários empresários com os quais pude conversar informaram que seguiam com os trabalhadores, mesmo com a negativa de contratação direta.

O fato de cancelar o benefício impede que a pessoa deseje ter um emprego formal, mesmo que por um curto intervalo de tempo. A necessidade de manutenção de sua família, sendo que a grande maioria dos sergipanos é mais vinculada aos programas de transferência de renda, é o maior impeditivo da regularização do trabalhador.

Sergipe é um estado que, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, tem mais de 420 mil beneficiários do Bolsa-Família. Esse número é quase na proporção de 1,5 beneficiário de programas sociais diante de trabalhadores com carteira assinada. Já que os dados de junho de 2023 do CAGED apontam 299 mil pessoas com contratos formais de trabalho pela CLT.

É necessário encontrar um meio que possa permitir aos trabalhadores terem uma melhor condição de renda, mesmo tendo os programas sociais. Mas que não os impeça de acessar oportunidades no mercado de trabalho para que tenham acesso aos seus direitos garantidos por lei enquanto estiverem formalizados em algum emprego.

O economista Guilherme Dietze, “meu guru”, consultor da Fecomércio Bahia e Fecomércio São Paulo, explica uma maneira interessante de balancear essa questão, ao afirmar que há sensatez em buscar um meio termo para fazer com que o trabalhador se mantenha ligado ao programa social, mas possa ter um emprego. “Pode-se considerar oferecer algum tipo de benefício, talvez 50% ou 60% do valor do Bolsa Família, mesmo quando a carteira de trabalho for assinada. Uma espécie de renda mínima”, diz o economista. Uma ideia inteligente que deveria ser estudada pelo Governo Federal.

Dietze vai além, deixando claro que esse fenômeno do emprego que não aparece nas estatísticas é uma recorrência nacional. “Acontece nos principais destinos turísticos do país. É uma situação complexa que requer atenção. Caso contrário, continuaremos lidando com altos níveis de informalidade, insegurança previdenciária e subnotificação estatística, o que privará os gestores públicos das informações necessárias para desenvolver e implementar políticas públicas eficazes no setor de emprego e renda no turismo”.

Diante desse cenário que nós conseguimos estudar em Sergipe com os trabalhos que realizamos para o entendimento do que se passa no estado, é importante que sejam pensadas ações efetivas não somente no cenário federal, mas também nos âmbitos estaduais e municipais, com o objetivo de melhorar a renda, a empregabilidade e qualidade de vida dos trabalhadores. Ações desse tipo descomplicam a economia para as famílias mais pobres e precisam ser trabalhadas.