ARACAJU/SE, 7 de maio de 2024 , 22:49:56

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Reconhecer o Senhor presente

Ao termos diante de nossos olhos a aparição do Ressuscitado aos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35), somos convidados a perceber como a ação do Senhor no mundo deve ser certa para o cristão e credível para os vacilantes na fé.

O trilhar da história da humanidade, ainda que tenha vestígios de pecado, é feito em companhia do Senhor Ressuscitado. A passagem do Evangelho trazida para que o reflitamos retrata muito bem estes quase dois milênios em que o mundo vive a escutar, com frágil fé, o anúncio querigmático da Paixão, Morte e Ressurreição do Cristo Jesus. É perceptível que, tal como os discípulos de Emaús, vacilamos na fé, embalados ora pelo anúncio pascal ininterrupto que a Igreja faz, ora pela crise do ato de crer que o mundo, sempre e sempre, é acometido e propaga. Porém, independentemente de nossa atitude pessoal, o Ressuscitado faz-Se presente, caminha conosco ao longo da vida, nos momentos de facilidade, mas, principalmente, nos dificultosos.

Percebemos que, vendo o semblante entristecido daqueles dois discípulos, o Senhor faz-Se de desentendido, chega mansamente e pergunta-lhes: “O que ides conversando pelo caminho?” (Lc 24,17). Assim, percebemos que, nesta jornada deste mundo para o Céu, o Senhor Se importa conosco, interessa-Se com os nossos pensamentos por vezes problemáticos em se tratando de fé e de esperança, e deseja escutar de nós as nossas queixas. Digo, sem medo de errar: este é o movimento da oração. O ato de orar é o de estabelecer um franco diálogo com Deus, falando-Lhe da nossa vida, mesmo que O achemos distante de nós (o que nunca acontece), ao que Ele nos fala à vida. Mesmo que os olhos do nosso coração estejam vendados pela tristeza, pelo desânimo, pelas crises, saibamos que Cristo está conosco, conhece-nos, alenta-nos, instrui-nos, resignifica-nos Consigo.

Porém, mesmo com a resposta catequética de Cristo acerca de como as coisas deveriam ser, os fatos procederem, de como a vontade de Deus, para a salvação de todos, consentiu, ainda que o coração daqueles homens ardesse enquanto aquele misterioso companheiro de viagem lhes falava, relutavam nas suas cegueira e ignorância espirituais. Parece que a biografia de Cléofas e do discípulo anônimo é a nossa; que as suas descrições muito têm a ver conosco. Como somos lentos na fé!

Entretanto, aquele convite para a permanência do companheiro misterioso era a deixa para que os discípulos O reconhecessem: “‘Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!’ Jesus entrou para ficar com eles” (Lc 24,29). E o Senhor, aproveitando-Se da brecha que Lhe davam, a oportunidade de intimidade representada na refeição, manifesta-Se ao partir do pão. Eu sempre penso comigo: “Como o Senhor tomou a iniciativa: não estando em sua casa, sendo um visitante desconhecido, pegou o pão e o partiu, fazendo-se conhecido, assumindo a direção!”. Sim, aquela fração do pão é um sinal claramente eucarístico. A Eucaristia outra realidade não é senão iniciativa do próprio Deus para ser reconhecido, para estar visivelmente presente, para, alimentando-nos de Si, fortalecer-nos na fé e na coragem de viver conformes ao Seu Evangelho.

Pela Eucaristia, reconhecemos de maneira eminente a presença do Ressuscitado no mundo, porque reconhecemos a Sua presença atuante em nós. Por isso, Santo Agostinho dizer: “Cristo quer ser reconhecido na fração do pão. […] Ora, irmãos, onde quer ser reconhecido o Senhor? Não quis ser conhecido senão ali. Por isso, quem quer que sejas, ó fiel; quem quer que sejas que não queres ser dito em vão cristão; quem quer que sejas que não sem razão vens à Igreja; quem quer que sejas tu que escutas com temor e esperança a palavra de Deus; consolas-te a fração do Pão. A ausência do Senhor não é ausência: tem fé, e está contigo aquele que não vês. Aqueles tais [os discípulos de Emaús], quando falava com eles o Senhor, não tinham fé; porque não acreditavam que estivesse ressuscitado, não esperavam que pudesse ressurgir.  Haviam perdido a esperança. Caminhavam mortos em companhia da Vida. Com eles caminhava a Vida, mas em seus corações a vida não havia sido lembrada” (Sermo 235).

Não caminhemos mortos-vivos com Jesus. Com Ele, ressurgidos, interiormente ressurgidos, reconheçamo-Lo, fortifiquemo-nos para dar a todos, intrepidamente, o testemunho do Ressuscitado, ainda que nos somemos ao testemunho de muitos ou mesmo de poucos.